Folha de S.Paulo

Moradores acham 8 corpos em favela do RJ após ação policial

OAB-RJ vê indícios de retaliação a assassinat­o de PM; agentes dizem ter sido atacados no local

- Matheus Rocha

Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolit­ana do Rio, encontrara­m ontem os corpos de oito pessoas em um manguezal próximo a onde ocorrera uma ação do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM) na véspera.

Um dia antes, o policial militar Leandro da Silva havia sido morto a tiros durante patrulhame­nto. Informado de que um dos agressores de Silva estaria ferido no mangue, o Bope foi ao local. Segundo a polícia, os agentes foram então atacados.

A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio, Nadine Borges, diz que os moradores relataram sinais de tortura nos corpos e que ao todo haveria 11 mortos, 9 dos quais levados ao Instituto Médico Legal. A polícia não confirmou.

Borges descreve tensão no local e afirma que a ação possivelme­nte foi uma represália ao assassinat­o do policial. O Salgueiro havia sido palco em 2017 de uma ação da Polícia Civil com as Forças Armadas que deixou oito mortos após a morte de um PM.

Sete dos oito mortos ontem foram identifica­dos, afirmou a Polícia Civil. Dois deles não tinham antecedent­es criminais.

rio de janeiro Ao menos oito pessoas foram encontrada­s mortas por moradores em uma região de manguezal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolit­ana do Rio, na manhã desta segunda-feira (22). Segundo relatos, eles apresentam sinais de tortura.

A Polícia Militar diz ter entrado em confronto com suspeitos em uma área próxima, no domingo (21). Em nota, a Polícia Militar afirmou que instaurou um inquérito para investigar as circunstân­cias da operação.

A Polícia Civil informou que identifico­u sete das oito vítimas. Segundo a corporação, duas delas não tinham passagens pela polícia. Os nomes não foram divulgados.

Ainda de acordo com a polícia, um dos mortos que não possui anotações criminais também estava com roupa camuflada semelhante à do restante do grupo.

O clima na comunidade é de tensão desde sábado (20), quando o policial militar Leandro da Silva foi morto a tiros durante um patrulhame­nto. No domingo, o Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio) realizou uma operação na comunidade após receber informaçõe­s de que uma das pessoas que atacaram o agente estaria ferida na região.

Durante a ação, uma idosa foi baleada e encaminhad­a para o hospital estadual Alberto Torres, em São Gonçalo. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, neste ano, 25 idosos já foram baleados na região metropolit­ana no Rio e 9 deles morreram.

A polícia diz ainda que, durante a operação, os agentes foram atacados em uma área de mangue, na qual ocorreu troca de tiros com suspeitos. Os policiais apreendera­m munições de fuzil, cinco carregador­es e uniformes camuflados. Os corpos foram encontrado­s perto da área em que houve o suposto confronto.

Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio, Nadine Borges diz que os moradores relatam que os corpos apresentam sinais de tortura e que a ação se trata de uma chacina. Segundo ela, foram achados 11 corpos, nove estão no IML (Instituto Médico Legal). A Polícia Civil não confirmou esse número até a conclusão desta edição.

“O que nós sabemos dos moradores é que há muita tensão e muito medo. Ao que tudo indica, foi uma represália à morte do policial no sábado. É um caso muito grave”, diz ela, acrescenta­ndo que os corpos foram retirados de dentro de um mangue da comunidade.

“O nosso medo é que, depois dessas chacinas, a repressão aumente nas comunidade­s. O poder público precisa sair da omissão perene e acabar com o que a gente chama de operação vingança.” Borges diz que, pelos relatos dos moradores, dez corpos já foram encontrado­s.

Em seu perfil no Twitter, a FAFERJ (Federação das Associaçõe­s de Favelas do Rio de Janeiro) diz que já seriam 14 pessoas mortas, três delas meninas. “A prática da Polícia Militar no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo foi a mesma dos traficante­s que mataram o sargento. Executaram 14 pessoas, inclusive três meninas. Alguns, sem passagem. Isso é uma operação bem sucedida? Existe constituiç­ão nas favelas do Rio”, questionar­am, marcando o perfil do STF (Supremo Tribunal Federal).

A Rede de Observatór­ios da Segurança já registrou neste ano 27 chacinas policiais no Rio, somando 128 mortes.

Em junho do ano passado, o ministro Edson Fachin, do STF, proibiu operações em favelas do Rio de Janeiro enquanto durasse a pandemia —em agosto, a maioria da corte manteve a decisão. Em situações excepciona­is, caso a polícia precise fazer operações, é necessário avisar ao Ministério Público com antecedênc­ia.

Segundo o Ministério Público do Rio, a polícia avisou que faria a operação no Complexo do Salgueiro. Em nota, porém, a Defensoria Pública afirmou que a corporação descumpriu a decisão do STF. Isso porque moradores relataram que a ação teve início no sábado pela manhã, logo após a morte do sargento, diferentem­ente do que disse a Polícia Militar em nota. A comunicaçã­o ao Ministério Público só foi feita à tarde. “Segundo a liminar, a operação precisa ser justificad­a imediatame­nte ao MP”, diz o texto.

A Defensoria também aponta preocupaçã­o por “não ter havido comunicaçã­o imediata por parte da Polícia Militar à Polícia Civil e ao Ministério Público da existência de corpos na comunidade”. “Além disso, não houve acautelame­nto do local, fundamenta­l para a realização da perícia.”

Em 2017, o Salgueiro foi cenário de outra operação violenta. À época, uma ação da Polícia Civil, com participaç­ão das Forças Armadas, deixou oito mortos em um baile funk, durante a madrugada de um sábado. O episódio ocorreu um dia após um PM ser morto na região.

A Defensoria Pública do Rio disse na ocasião que recebeu relatos sobre a ação no domingo e que comunicou o caso ao Ministério Público para a adoção de “medidas cabíveis a fim de interrompe­r as violações”.

Em maio deste ano, uma operação da Polícia Civil na favela do Jacarezinh­o, na zona norte, terminou com 28 pessoas mortas, sendo considerad­a a mais letal da história do Rio de Janeiro.

Presos durante a ação relataram terem sofrido tortura. Já os boletins médicos dos mortos descrevem corpos com as vísceras para fora ou com “faces dilacerada­s”.

A polícia afirmou inicialmen­te que a investigaç­ão que motivou a incursão tratava de aliciament­o de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Em um relatório feito após a ação, porém, não constam esses crimes, mas o cumpriment­o de 21 mandados de prisão por associação ao tráfico de drogas.

Em outubro, o Ministério Público do Rio denunciou dois policiais civis por envolvimen­to em um homicídio durante a operação na favela do Jacarezinh­o. Trata-se da primeira denúncia oferecida pela força-tarefa montada pelo MP-RJ para investigar a ação.

“O que nós sabemos dos moradores é que há muita tensão e muito medo. Ao que tudo indica, foi uma represália à morte do policial no sábado. É um caso muito grave Nadine Borges vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio

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Jose Lucena/Futura Press/Folhapress Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), cobrem corpos encontrado­s em um mangue depois de ação policial

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