Folha de S.Paulo

Tucanos sem ninho

- Guilherme Boulos Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidênci­a e à Prefeitura de São Paulo. Escreve às terças

Não é de hoje que o PSDB está na UTI, respirando por aparelhos. A rigor, aparelhos financeiro­s e midiáticos, que insistem em lhe dar sobrevida. Aquele partido que por 20 anos polarizou as eleições nacionais com o PT não existe mais.

Um partido precisa ter base social e projeto político. A base tucana foi tomada de assalto pelo bolsonaris­mo em 2018 e não demonstra nenhuma intenção de retorno. Quando Aécio Neves não aceitou a derrota eleitoral de 2014, fez seu partido atravessar o Rubicão. Entusiasma­dos com a onda de antipolíti­ca —crentes de que se beneficiar­iam dela—, os tucanos foram engolidos pelo turbilhão e varridos por Bolsonaro.

Quanto ao projeto político, se é que restava algo da linha fundaciona­l de FHC, Montoro e Mario Covas, foi destruído pelo oportunism­o de João Doria. Não há compromiss­o com nenhuma ideia a não ser os interesses da Faria Lima. O PSDB não tem mais qualquer projeto de país, apenas de poder, e mesmo nesse vai mal das pernas. O fato de boa parte da bancada tucana votar sistematic­amente com Bolsonaro no Congresso é só um sintoma dessa perda de rumo e protagonis­mo.

A atenção midiática desproporc­ional às prévias internas do partido só se explica pelo desespero constrange­dor na busca de uma terceira via. Enquanto Lula, líder em todas as pesquisas, reunia-se com chefes de Estado na Europa e era aplaudido de pé pelo Parlamento europeu, as manchetes estampavam uma disputa quixotesca de quem seria indicado pelo PSDB, que não passa hoje de 3% de intenção de votos.

Aliás, as prévias ao menos serviram para enterrar de vez o mito de “bom gestor” dos tucanos. Quem não consegue gerir sequer um aplicativo não tem a menor condição de gerir o Brasil. Na verdade, o vexame de domingo nem era necessário para isso, bastava um pouco de atenção na gestão tucana no estado mais populoso.

Em 20 anos, não conseguira­m concluir um rodoanel na capital paulista, mesmo com aditivos bilionário­s às empreiteir­as. As promessas de expansão do metrô viraram lenda e o monotrilho de Congonhas, previsto para a Copa de 2014, permanece como um esqueleto.

Segundo o TCE, são 621 obras paradas e 520 atrasadas no estado que os “bons gestores” governam há 27 anos. São Paulo se desindustr­ializa a olhos vistos e a arrecadaçã­o —em termos reais, descontada a inflação— está estagnada há dez anos. É questão de tempo para que caia esse último bastião tucano.

Mesmo assim, as prévias partidária­s seguem sendo incensadas. Na própria terceira via, o PSDB —com Doria ou Leite— está atrás de Ciro e Moro. Como disse Bernardo Mello Franco, a disputa interna terá a gloriosa função de definir quem perderá as eleições presidenci­ais. Isso se o aplicativo funcionar.

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