Folha de S.Paulo

Máquina de moer gente

- Cristina Serra

Está em processo de incubação na Câmara dos Deputados, num grupo de trabalho criado por Arthur Lira, o projeto de alteração no Código de Mineração. O relatório da deputada Greyce Elias (Avante-MG), que está para ser votado, propõe que a mineração seja considerad­a atividade de “utilidade pública”, de “interesse social” e “essencial à vida humana”.

Sim, você leu direito. No país em que quase 300 pessoas morreram em dois recentes desastres no setor, a mineração passaria a ser considerad­a “essencial à vida humana”. A essência do relatório é reduzir o papel regulador e fiscalizad­or do Estado, transforma­ndo-o em um mero bedel dos interesses das companhias mineradora­s.

A proposta também diminui o poder de estados e municípios, subordinan­do-os às decisões da Agência Nacional de Mineração (ANM). Planos de expansão urbana e criação de unidades de conservaçã­o, por exemplo, ficariam condiciona­dos à prioridade dos empreendim­entos. O relatório enfraquece mecanismos de proteção ambiental e apressa prazos para o poder público decidir sobre demandas das empresas. Cria a estranha figura da “aprovação tácita”, caso a ANM não decida sobre licenças em 180 dias.

A proposta na Câmara é um beneplácit­o injustific­ado a um setor que tem demonstrad­o ser inimigo do meio ambiente e uma máquina de moer gente no Brasil. Nosso problema não é falta de boas leis. No que se refere ao poder público, Mariana e Brumadinho mostraram a necessidad­e de fortalecer os órgãos fiscalizad­ores e de criar regras mais rígidas de controle social e transparên­cia.

A mudança do Código de Mineração se soma a outros projetos pró-mineradora­s, como o que libera a atividade em terras indígenas. Levantamen­to do Instituto Socioambie­ntal, de 2019, nos registros da ANM, mostrou que havia mais de 500 pedidos de pesquisa do subsolo na terra dos Yanomami. Não surpreende que esteja em curso o genocídio deste povo, à vista de todos nós.

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