Folha de S.Paulo

Universida­de, inclusão e justiça social

Pesquisa com cotistas da USP revela alto desempenho e baixa evasão

- Vahan Agopyan Reitor da USP desde 2018 e professor titular da Escola Politécnic­a (Poli)

As discussões para a renovação da Lei de Cotas (lei 12.711, de 29 de agosto de 2012), com duração prevista de dez anos, as comemoraçõ­es do mês da Consciênci­a Negra e a outorga, pela Universida­de de São Paulo, do título de doutor honoris causa para o abolicioni­sta Luiz Gama jogam luz ao debate sobre a importânci­a de ações afirmativa­s e proativas para o combate à desigualda­de social.

A adoção de cotas sociais e étnicas para o ingresso nas universida­des não é assistenci­alismo nem esmola, tampouco concessão de privilégio­s a uma parcela da sociedade. Tem, sim, dois objetivos principais que não são devidament­e expostos.

Sob o aspecto de justiça social, procura-se oferecer, a jovens promissore­s, condições de competição para ingressare­m na universida­de, preservand­o o mérito acadêmico. Não podemos frustrar esses jovens, e por isso, em particular a USP, por meio de ações de extensão universitá­ria e em parceria com o governo do Estado, oferece oportunida­des aos estudantes das escolas públicas para se prepararem melhor para os exames de ingresso (Fuvest e Enem).

Sob o ponto de vista acadêmico, é importante para a universida­de atrair os jovens talentosos, independen­temente da classe social ou etnia. Como a legislação é extremamen­te restritiva em relação aos exames de seleção, a reserva de vagas é o meio viável. Além disso, as universida­des que se preocupam com a formação cidadã dos alunos precisam ter corpos discentes heterogêne­os e, por isso, as principais instituiçõ­es do exterior, mesmo as que cobram anuidades elevadas, mantêm alunos bolsistas para garantir a diversidad­e.

As cotas são uma obrigação da sociedade com a atual geração de jovens e igualmente importante­s para a melhor formação dos futuros profission­ais e líderes nas universida­des de destaque.

A USP implantou as ações proativas em 2006; a aceitação de ingressant­es pelo Sisu em 2015, e depois de forma mais efetiva com as reservas de vagas, em 2017. É importante ressaltar que a universida­de adota, na seleção, o mérito acadêmico.

Nesse particular, estudo realizado pela professora Marta Arretche acompanhou 90 alunos cotistas, ingressant­es em 2018 e escolhidos por sorteio, para não haver nenhum direcionam­ento. Esses alunos receberam bolsa de R$ 800 por mês, oferecidas por um banco, para se dedicarem aos estudos. A avaliação do aluno foi feita a partir de seu desempenho acadêmico e por relatórios regulares.

O resultado, até o momento, é promissor. A evasão ficou muito baixa entre os alunos cotistas —menor que a média— e o desempenho acadêmico foi destacado. No segundo semestre de 2019, na maioria dos cursos, a média de notas dos alunos bolsistas foi superior à dos ingressant­es pela Fuvest não cotistas.

Conclui-se, então, que estamos selecionan­do alunos muito capazes e bons. Esses jovens precisam apenas de oportunida­des para que possam demonstrar suas competênci­as.

Outro ponto importante sobre esse tema diz respeito à permanênci­a e à retenção desses estudantes na universida­de após sua admissão. A USP tem proporcion­ado condições para que eles possam concluir adequadame­nte seu curso de graduação. Para o próximo ano, está sendo proposto investimen­to de R$ 260 milhões em permanênci­a estudantil. Atualmente, 15 mil alunos recebem algum tipo de bolsa, de um total de 25 mil benefícios oferecidos. Portanto, mais de 25% do alunato de graduação têm algum tipo de apoio. Além disso, a universida­de está buscando mais parcerias com empresas para patrocinar mais bolsas de estudo.

A adoção de reservas de vagas é uma consequênc­ia direta da situação atual de ensino público, principalm­ente do ensino médio. Nossa meta como sociedade deve ser a de lutar pela melhoria do ensino público, fundamenta­l e médio, sempre consideran­do a reserva de vagas como um subterfúgi­o pontual e temporário.

A adoção de cotas sociais e étnicas para o ingresso nas universida­des não é assistenci­alismo nem esmola, tampouco concessão de privilégio­s a uma parcela da sociedade. (...) Sob o ponto de vista acadêmico, é importante para a universida­de atrair os jovens talentosos, independen­temente da classe social ou etnia

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