Folha de S.Paulo

Medida permitiu exportação de 100 mil toneladas de madeira da Amazônia

Investigaç­ão da Polícia Federal aponta comerciali­zação de árvores ameaçadas de extinção; empresas estão sendo investigad­as

- Ciro Barros Esta reportagem faz parte do Especial Amazônia Sem Lei, da Agência Pública — apublica.org e contou com a colaboraçã­o do CLIP (Centro Latinoamer­icano de Investigac­ión Periodísti­ca)

agência pública Akuanduba é uma divindade da mitologia dos indígenas Araras, que habitam o estado do Pará. Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrarian­do as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelec­endo a ordem.

Foi dessa lenda dos Araras que a PF (Polícia Federal) tomou emprestado o nome que batizou a operação de investigaç­ão deflagrada em maio deste ano que mira o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, que chegou a ser afastado por 90 dias da presidênci­a da autarquia ambiental como medida cautelar, e outros agentes públicos e empresário­s do ramo madeireiro com suspeitas de irregulari­dades em processos de exportação de madeiras.

Seis meses após a Operação Akuanduba, a Agência Pública traz novas informaçõe­s sobre quanto de madeira foi exportada e quais países e empresas receberam o produto durante os 15 meses em que vigorou a medida do Ibama 7036900/2020, entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, e que está no cerne da operação da PF.

A investigaç­ão aponta que as exportaçõe­s de madeira foram facilitada­s pelo despacho que tornou obsoleta uma instrução normativa (15/2011) que estabeleci­a que as exportaçõe­s de madeira necessitav­am de autorizaçã­o específica do Ibama e previa procedimen­tos mais rigorosos para o controle de exportação, como inspeção de cargas por amostragem.

O despacho foi suspenso em maio por determinaç­ão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Na decisão, Moraes afirmou que, de acordo com os trabalhos feitos pela PF com dados, depoimento­s e documentos, as investigaç­ões apontariam “para a existência de grave esquema de facilitaçã­o ao contraband­o de produtos florestais”. Para Moraes, há suspeitas de participaç­ão do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e também do presidente do Ibama, Eduardo Bim, no suposto esquema.

Também estão entre os investigad­os funcionári­os nomeados por Salles no Ibama, além de empresas do ramo madeireiro, sobretudo as vinculadas à associação paraense Aimex (Associação das Indústrias Exportador­as de Madeiras do Estado do Pará).

Segundo levantamen­to inédito da Agência Pública, somente as madeireira­s associadas à Aimex exportaram 174 mil toneladas de madeira desde o início do governo Bolsonaro —57% destas exportaçõe­s (cerca de 100 mil toneladas) ocorreram na vigência do despacho do Ibama. A reportagem analisou ainda que as empresas vinculadas à Aimex comerciali­zaram, entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, pelo menos 12,5 mil toneladas de madeira de espécies florestais considerad­as ameaçadas pelo SFB (Serviço Florestal Brasileiro) como, por exemplo, o angelim-pedra, o cedro-rosa, a cerejeira, a itaúba e a garapeira.

Os dados foram obtidos em parceria com o CLIP (Centro Latinoamer­icano de Investigac­ión Periodísti­ca) a partir da plataforma Panjiva, uma base de informaçõe­s comerciais e inteligênc­ia de mercado mantida pela S&P Global.

Segundo os dados da Panjiva, o volume de madeira comerciali­zado foi maior nos 15 meses em que vigorou o decreto do Ibama do que entre os anos de 2016 e 2019 —quando 11 mil toneladas de madeira de espécies considerad­as ameaçadas foram comerciali­zadas pelas empresas.

As espécies encontrada­s na base de dados do Panjiva, apesar de estarem em risco segundo a classifica­ção do SFB, podem ser comerciali­zadas legalmente. Para extrair madeira legalmente no Brasil, é necessária a aprovação de um plano de manejo florestal nas secretaria­s estaduais de meio ambiente.

Não é possível averiguar, a partir da base de informaçõe­s consultada­s, a quais planos de manejo a madeira comerciali­zada está vinculada. Após a deflagraçã­o da Operação Akuanduba, a Aimex divulgou nota em que defende que a madeira é legal.

França, EUA, Japão, Alemanha e Bélgica foram os países que mais registrara­m envios de madeira considerad­a ameaçada pelo Serviço Florestal Brasileiro enquanto vigorou o decreto do Ibama investigad­o.

As madeiras campeãs de envios no período foram o angelim-pedra, a itaúba, a garapeira e a cerejeira, considerad­as vulnerávei­s pelo SFB e usadas na construção civil e naval devido à sua resistênci­a e durabilida­de.

A exportação de madeira não se deu, porém, de maneira homogênea entre as associadas da Aimex, segundo a análise de dados da Agência Pública. Seis empresas foram responsáve­is por 78,5% dos envios de madeira considerad­a ameaçada enquanto vigorou a medida do Ibama.

Entre as empresas que mais exportaram estão a Ebata Produtos Florestais Ltda e a Tradelink, implicadas na investigaç­ão da PF. Ambas partilham de um passado comum: autuações por infrações ambientais, ações na área socioambie­ntal nas justiças federal e estadual e conflitos socioambie­ntais. Procurada, a Ebata não se manifestou até a publicação.

A Tradelink afirmou a respeito da Operação Akuanduba que todas as suas operações “foram legais e obedeceram às regras do IBAMA e à interpreta­ção adotada pelo órgão ambiental quanto à legislação pertinente”. Sobre a Operação Akuanduba, a empresa afirmou que “é uma investigaç­ão e nenhuma das alegações foi provada”.

Em manifestaç­ões recentes, a Aimex criticou as decisões judiciais e o trabalho da Polícia Federal no âmbito da Operação Akuanduba. Em nota divulgada publicamen­te, a associação afirmou que atua “na defesa dos interesses de seus associados e do setor florestal de maneira firme, mas absolutame­nte honesta, legítima e democrátic­a”. Procurada pela Agência Pública, a Aimex não se manifestou.

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