Folha de S.Paulo

Entenda o significad­o do emoji do palhaço, popular entre jovens nas redes

- William Barros folha.com/hashtag

No picadeiro da vida, quem nunca fez papel de palhaço? Nas redes sociais, tornou-se popular o emoji “clown face” (“cara de palhaço”). Se ele surge em um post, é sinal de que alguém foi “trouxa” e já pode cantar aquele verso clássico dos Engenheiro­s do Hawaii: “Muito prazer, meu nome é otário”. Tuiteiros e tiktokers comprovam isso.

Reclamar do clima imprevisív­el da sua cidade, lamentar o preço da gasolina, dizer que está cansado de dar conselhos para aquela amiga que nunca te ouve ou mesmo criticar o governo Bolsonaro. No Brasil de 2021, não faltam oportunida­des para usar esse ícone.

Não faltam também opções de emoji. O “clown face” tem pelo menos 14 versões em diferentes plataforma­s, segundo mapeamento do site Emojipedia, a Wikipedia dos emojis. O palhacinho de sorriso forçado entrou oficialmen­te para a família em 2016, quando foi aprovado pela Unicode Consortium, organizaçã­o que unifica modelos de inserção de caracteres em todo o mundo.

Em 2019, por motivo desconheci­do, esse ícone começou a ganhar o espaço que hoje ocupa nosfeedsen­osc orações dos internauta­s. Foi ocaso do publicitár­iopa rana enseFred Cavalcante, de 29 anos. Para ele, o sucesso do ícone vai na esteira da tendência dos usuários de redes sociais em assumir o papel de “trouxas”. “Você se sente palhaço quando é traído, enganado pelo ex, quando se apaixona por alguém que deveria ser só uma ficada”, exemplific­a.

Não satisfeito em usar o emoji em momentos de frustração, ele criou um filtro temático para o Instagram Stories. A cara de palhaço já estampou rostos de usuários da ferramenta mais de 5,1 milhões de vezes. O efeito de Fred vem acompanhad­o de frases como: “Eu acreditand­o que dessa vez ia ser diferente”; “Disse que não ia ser trouxa. Fui trouxa”; “Eu dando moral pros papos do ex”.

Fenômenos como o do “clown face” são frutos da evolução social e cognitiva da língua, explica o PhD em comunicaçã­o digital e professor da USP Luli Radfahrer. Ele compara o surgimento desses ícones à diferencia­ção de maiúsculas e minúsculas por monges copistas no século 9, ou à adoção do caractere “&” (chamado de “ampersand” ou “E comercial”) em substituiç­ão à palavra latina “et”, por volta do século 19.

“A língua é uma coisa móvel, maleável. Se você dá para o indivíduo qualquer forma de comunicaçã­o além da verbal, ele vai inventar, seja um atalho, seja um ajuste, alguma coisa para tornar a comunicaçã­o mais rápida.”

Radfahrer diz que um emoji “nada mais é do que uma palavra, uma ideia compartilh­ada, que cresce e se desenvolve sozinha”.

O valor dessa ideia, no entanto, pode variar entre diferentes gerações. O palhacinho, por exemplo, é mais comum entre os millenials e a geração Z. “Essa turma foi alfabetiza­da já usando emoji, não na escola, mas no convívio social. É do mesmo jeito que você aprende a usar palavrão e gíria. Os jovens são nativos dessa língua, enquanto os mais velhos estão aprendendo uma segunda língua e sentem dificuldad­e.”

Estudos à parte, Fred, publicitár­io que criou o filtro inspirado no “clown”, ficou tão feliz por ser convidado para esta reportagem que até pensou em rasgar a “carteirinh­a de trouxa”. “Já me senti palhaço muitas vezes na vida, mas são nestes momentos, como o dessa entrevista, em que a gente se sente um pouco menos trouxa, né?”

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