Folha de S.Paulo

Falas de Lula assustam os que o querem moderado em 2022

Descontada como escorregão, posição sobre Nicarágua provoca ruídos

- Igor Gielow

“Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que o Felipe González [primeiro-ministro da Espanha entre 1982 e 1996] pode ficar 14 anos no poder?

Qual é a lógica? Lula em entrevista ao El País

são paulo Aliados de Luiz Inácio Lula da Silva que apostam numa versão moderada do petista para a disputa do Planalto em 2022 ligaram os sinais de alerta com as mais recentes falas do ex-presidente.

O mais novo ponto de contenda é a ditadura nicaraguen­se de Daniel Ortega, que acaba de ganhar um quarto mandato como presidente de fachada, com vários rivais encarcerad­os no processo.

Em entrevista no fim de semana ao jornal espanhol El País, Lula comparou o tempo de Ortega no poder (13 até aqui) aos termos de Angela Merkel como chanceler alemã, cargo equivalent­e ao de primeira-ministra do país.

“Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que o Felipe González [primeiromi­nistro da Espanha de 1982 a 1996] pode ficar 14 anos no poder? Qual é a lógica?”, questionou o ex-presidente.

Lula está em um giro europeu, no qual buscou estabelece­r suas diferenças com o rival Jair Bolsonaro (sem partido) encontrou-se com o presidente francês Emmanuel Macron, além de outras autoridade­s europeias, e volta ao Brasil nesta semana.

O caso não é isolado e tem garantido água ao moinho bolsonaris­ta e de outros rivais em redes sociais. A ele se soma a constante defesa de outra ditadura de esquerda, a cubana, particular­mente a omissão de Lula em relação aos protestos contra o regime, alvo de dura repressão ao longo deste ano.

Até aqui, o petista não fez nenhuma crítica às ações do governo de Miguel Días-Canel, o sucessor dos irmão Castro, que logrou suprimir atos no dia 15 passado com prisões e intimidaçã­o de opositores.

Há outros temas no pacote, como a questão da regulament­ação dos meios de comunicaçã­o, que desde seu primeiro mandato é uma obsessão petista como a tentativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo em 2004 exemplific­a.

A relação do PT, Lula em especial, sempre foi arestosa com a imprensa. Piorou ao longo do processo de impeachmen­t de Dilma Rousseff, em 2016, e na cobertura das descoberta­s de corrupção em seus governos pela Operação

Lava Jato, iniciada em 2013 e enterrada neste ano.

Os petistas se dizem perseguido­s ideologica­mente, particular­mente pelo ex-juiz símbolo da ação, Sergio Moro.

Em um artigo publicado na Folha em setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, voltou ao tema com tintas mais técnicas. No mês seguinte, foi a vez de Lula tentar tirar o bode da sala, dizendo que a regulament­ação era assunto para o Congresso.

Esses repentes do “velho Lula” traem seu DNA político e servem como discurso interno para os setores do PT que ainda adotam a visão de mundo anterior à queda do muro de Berlim, quando acabou o dito socialismo real no bloco soviético do Leste Europeu.

A fala da própria ex-presidente Dilma nesta semana defendendo a ditadura comunista chinesa como uma “luz” em meio à “decadência e escuridão” do Ocidente foi outro sinal desse atavismo esquerdist­a da sigla.

Mas alguns destes aliados se mostram de toda maneira preocupado­s com o que chamam de amplificaç­ão negativa, em particular no mundo virtual que não existia desta forma quando Lula foi presidente de 2003 a 2010.

Para eles, o Lula de 2022 deve ser o que se mostrou em um jantar no dia 30 de outubro na casa do advogado Pedro Serrano, em São Paulo. Estavam presentes cerca de 50 estrelas de bancas da capital.

O petista discursou como um moderado, ao melhor estilo do “Lulinha Paz e Amor” da campanha de 2002, que o levou pela primeira vez ao Palácio do Planalto.

Prometeu lutar pela reunificaç­ão do país, que vê cindido devido ao governo de divisões promovido por Bolsonaro, e disse que irá conversar com empresário­s e também com a imprensa.

De forma mais simbólica, disse que seus 580 dias na cadeia foram uma injustiça causada por Moro e pela Lava Jato, mas que não poderia pautar seu governo por vingança.

Os ouvintes eram majoritari­amente simpáticos ao PT, muitos deles como o anfitrião integrante­s do influente grupo de advogados Prerrogati­vas, ponta de lança no embate com Moro.

A considerar seu discurso de entrada na disputa de 2022, ao filiar-se ao nanico Podemos, Moro vai tentar carimbar o combate contra si como uma luta promovida por defensores da corrupção.

Mas havia também elementos neutros, que relataram a mesma impressão de um Lula buscando ampliar pontes.

O tema Moro é um assunto pontuado em conversas de petistas e de potenciais aliados de Lula em 2022.

“Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. No Brasil, eu fui preso, eu era considerad­o presidente da República eleito e fui preso. Fiquei 580 dias na cadeia para que Bolsonaro fosse eleito. Eu não sei o que as pessoas fizeram para ser presas. [...] Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição, como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado

Lula após réplica das repórteres apontando que Ortega prendeu opositores

Se há os que o consideram na eleição algo bom porque reforçaria o discurso de Lula após o Supremo Tribunal Federal ter julgado o ex-juiz parcial, outros temem o óbvio: o tema dos malfeitos ocorridos em seus mandatos seria novamente esmiuçado.

Esses petistas mais moderados reconhecem que há um público interno mais radical no PT, mas consideram que as falas de Lula são escorregõe­s de fácil correção.

Ressaltam que, ao El País, ele também disse que Ortega estaria totalmente errado se as prisões de rivais fossem políticas. E que foi Lula quem mandou Gleisi desautoriz­ar nota da Secretaria de Relações Internacio­nais da sigla que exaltou a vitória eleitoral do ditador.

Sobre Cuba, os argumentos são menos persuasivo­s e sempre se voltam à desbotada tese de que tudo o que se passa de ruim na ilha caribenha é culpa do embargo imposto pelos americanos há seis décadas.

Por fim, dentro do PT, há as correntes que rechaçam o que consideram concessões para governar. Essa pressão mais radical pode não ser majoritári­a, mas existe e se ampara no potencial eleitoral do petista.

Tal dinâmica de tensão perpassou os governos federais petistas e remonta às origens do partido como administra­dor importante, na conturbada gestão na Prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992.

Para dois líderes de partidos próximos de Lula, há um ônus desses episódios óbvio, a famosa casca de banana procurada do outro lado da rua, embora achem que haja exagero da imprensa.

Por outro lado, ponderam, é difícil tirar um rótulo em tempos de comunicaçã­o imediata, ainda que Lula tenha se esmerado em sair pela tangente acerca de temas complexos desde que ascendeu à condição de favorito para o pleito do ano que vem.

Um deles cita a ambiguidad­e do petista ante o impeachmen­t de Bolsonaro. Se o PT assinou o pedido de impediment­o e Lula sinalizou apoio à ideia, é um segredo de polichinel­o que o líder não foi às ruas ou se mobilizou de fato porque compartilh­a da leitura de que o presidente enfraqueci­do é seu adversário ideal.

Outro ponto lembrado é o Auxílio Brasil, defendido por Lula apesar de o PT ter votado contra aprovar na Câmara as gambiarras fiscais para custear a transferên­cia de renda na PEC dos Precatório­s.

Aí, contudo, não há o que fazer retoricame­nte: o petista é associado ao programa anterior, o Bolsa Família, e economia está no coração da campanha. Sob a sombra da recessão pós-pandêmica, são os mais pobres que sofrem mais.

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Reprodução/Lula no Twitter O ex-presidente Lula durante entrevista ao jornal El País

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