Folha de S.Paulo

Conquistou as arenas do país com voz forte e disciplina

- Marcelo Toledo coluna.obituario@grupofolha.com.br JOSÉ RODRIGUES PEREIRA (1953-2021)

ribeirão preto O jeito calmo e sereno de Barra Mansa era visto logo cedo no Parque do Peão de Barretos. Contratado para narrar a mais tradiciona­l festa de peão do país desde os anos 1980, ele chegava muito antes do expediente noturno.

Durante a tarde, ou ele estava conversand­o com peões sobre montarias à sombra das árvores do escritório de rodeio do parque, recinto projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), ou tomando café.

Ficava por horas no local, contando causos sobre os rodeios, mundo que conhecia profission­almente desde 1977, no período pré-montarias em touros, modalidade que foi importada dos EUA e, impulsiona­da pelo ex-peão Tião Procópio, dominou todas as competiçõe­s no país a partir de 1979.

Em 1982, estreou em Barretos, ainda no antigo recinto, acanhado, na área urbana da cidade. Eram tempos em que a emoção das montarias dependia unicamente da “garganta” do locutor, sem os DJs que hoje acompanham esses profission­ais e modernos equipament­os de som.

Era o último dos grandes locutores do país a ainda narrar montarias somente a partir do palco, e não da poeira levantada pelos cavalos e touros nas arenas, cena imortaliza­da por Asa Branca (19622020), que ainda se aventurava a chegar às arenas em helicópter­os ou a narrar de dentro de camionetes em movimento.

“Eu sou tradiciona­l. E tenho juízo”, costumava dizer Barra Mansa, sorrindo, ao ser questionad­o sobre o motivo de não ficar mais próximo dos animais. Assim, seguia o também lendário Zé do Prato (1948-1992), que não se arriscava a descer na arena para narrar.

“Algumas pessoas às vezes falavam que tínhamos de renovar [os locutores], mas ele tinha um marco, que era fazer uma excelente abertura dos rodeios. Ele era um cara que rezava. Terminava a música e ele entrava rezando, falando. Virou uma marca. Ele só ia sair [de Barretos] morto”, disse Marcos Abud, diretor de rodeios da Festa do Peão de Barretos e que era amigo do locutor havia mais de 30 anos.

A “renovação” contratual era simples, conta Abud: “Ele me ligava no começo do ano perguntand­o se poderia falar com os contratado­s que estaria em Barretos. Eu só respondia: ‘pode’”, disse.

A longevidad­e fez com que se tornasse professor em cursos para novos locutores de rodeio e também apresentav­a um programa na rádio Regência FM havia 28 anos.

Presidente de Os Independen­tes, Jerônimo Luiz Muzeti disse que ele criou um estilo próprio de narração e foi exemplo de postura e disciplina.

Natural de Adolfo, morava em São José do Rio Preto, onde foi internado na última semana após uma cirurgia de emergência com um quadro de hérnia encarcerad­a.

O estado de saúde se agravou na última quinta-feira (18), data em que sua assessoria pediu para os fãs e amigos intensific­arem as orações, que tanto ele gostava de fazer nas arenas, antes do início das montarias.

Apesar de no dia seguinte o quadro ter tido uma discreta melhora, o locutor morreu nesta terça-feira (23), aos 68, gerando comoção do mundo sertanejo nas redes sociais.

Também locutor, Rafael Vilella publicou numa rede social uma mensagem de agradecime­nto a Barra Mansa.

“Hoje partiu uma das vozes mais marcantes da história do rodeio brasileiro. Foi uma referência para todos nós, locutores. Muito obrigado mestre Barra Mansa, pelos ensinament­os deixados. Descanse em paz meu ídolo”, escreveu.

O cantor Capataz, da dupla com Carreiro, disse que o mundo dos rodeios perdeu uma das maiores vozes de todos os tempos. “Ouvia narrar desde criança e sempre fui fã.”

283º MÊS NORMA VASQUES DOMINGUEZ

Nesta quarta (24/11) às 20h, Igreja Nossa Senhora da Saúde, Vila Mariana, São Paulo (SP)

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