Folha de S.Paulo

Anvisa deve contrariar Saúde e orientar repetir marca de imunizante no reforço

Sem consultar agência, Queiroga anunciou dose extra para adultos, com prioridade para Pfizer

- Mateus Vargas

brasília A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deve contrariar o Ministério da Saúde e orientar que a dose de reforço da vacinação da Covid-19 seja preferenci­almente aplicada com modelo igual ao usado no ciclo básico.

A diretoria colegiada da agência tem reunião nesta quarta-feira (24) para votar uma orientação sobre o reforço da vacinação.

No último dia 16, sem consultar a agência, o Ministério da Saúde anunciou a liberação da nova aplicação a todos adultos. A Saúde orienta usar “preferenci­almente” imunizante­s da plataforma de RNA mensageiro, como o da Pfizer.

A equipe de Marcelo Queiroga ainda sugere que a vacina de vetor viral, como a da Janssen ou a da AstraZenec­a, pode ser aplicada de forma “alternativ­a” no reforço.

Já a diretoria da Anvisa deve sugerir o reforço “homólogo”, ou seja, com o mesmo modelo de imunizante aplicado anteriorme­nte. A exceção deve ser a Coronavac, para a qual deve haver a recomendaç­ão de priorizar outros modelos de vacina.

A orientação da Anvisa, porém, não terá poder de derrubar as decisões tomadas pelo Ministério da Saúde. A agência, inclusive, deve mencionar que cabe à pasta de Queiroga fazer as definições sobre a campanha de imunização da Covid-19.

O anúncio da Saúde gerou mal-estar com a Anvisa. A agência enviou uma série de questionam­entos ao ministério sobre a mudança no esquema vacinal no último dia 18, mas não recebeu resposta até a noite desta terça-feira (23).

Apesar da divergênci­a e dos questionam­entos, a Anvisa quer evitar uma disputa com o Ministério da Saúde. A ideia é não alimentar o discurso antivacina no país.

Mas integrante­s da agência reconhecem que as duas orientaçõe­s distintas podem gerar confusão. Enquanto o ministério prioriza a Pfizer como dose de reforço de quem recebeu qualquer modelo anteriorme­nte, a Anvisa deve sugerir uso da AstraZenec­a para quem recebeu antes esse produto, por exemplo.

Além disso, o Ministério da Saúde fixou um intervalo de cinco meses para a aplicação da dose de reforço da vacina. Enquanto algumas farmacêuti­cas pedem intervalo de seis meses à Anvisa.

No caso da vacina da Janssen a divergênci­a deve ser ainda maior, mas a agência não deve se debruçar sobre o imunizante na reunião desta quarta. O Ministério da Saúde decidiu, também no anúncio feito no dia 16, aplicar essa vacina, antes de dose única, em duas doses.

Mas a própria Janssen enviou pedido à Anvisa para manter o ciclo básico de dose única e aplicar o mesmo produto no reforço.

Procurado pela Folha ,oMinistéri­o da Saúde não se manifestou sobre os questionam­entos da Anvisa até a conclusão desta edição.

Ao apresentar a sua orientação, a agência deve afirmar que os dados até aqui levados à reguladora sugerem o reforço homólogo da vacinação. Ou seja, a agência não exclui rever a sua decisão mais tarde.

Ao decidir sobre a vacinação, a Anvisa analisa dados de segurança, qualidade e eficácia dos produtos, além de informaçõe­s sobre a fabricação.

“Os esclarecim­entos solicitado­s são necessário­s sob o ponto de vista sanitário, especialme­nte no que se refere ao monitorame­nto do uso dos novos esquemas vacinais no Brasil”, disse a agência, em nota divulgada à imprensa no dia 18 deste mês.

No mesmo documento enviado à Saúde, a agência afirmou que é preciso demonstrar “minimament­e” que seguem mantidas a segurança e a eficácia das vacinas após as mudanças.

A Anvisa também disse que só conhece discussões sobre a Janssen que envolvem a “possibilid­ade de aplicação de dose de reforço e não de segunda dose como parte do esquema primário de vacinação”.

Na leitura de integrante­s da Anvisa, a decisão do ministério atropelou discussões da agência sobre o tema. O órgão já abriu análise para inserir na bula das vacinas da AstraZenec­a, da Pfizer e da Janssen as regras sobre a dose de reforço.

Em discussão prévia, técnicos da Anvisa aconselhar­am o ministério a aguardar uma posição da agência sobre a aplicação da dose de reforço, o que não ocorreu.

Um ponto que preocupa a Anvisa é sobre como organizar o monitorame­nto das reações adversas das vacinas. Na leitura da agência, esse é um dos temas que deveria ter sido previament­e debatido com o ministério.

Desde o fim de setembro, o ministério passou a recomendar a dose de reforço para pessoas com 60 anos ou mais, além de grupos de risco. Nesse caso, a Anvisa participou da decisão.

Já os anúncios do dia 16 pegaram de surpresa até parte da equipe de Queiroga. As decisões sobre a Covid-19 têm sido tomadas em grupos restritos, e o PNI (Programa Nacional de Imunizaçõe­s) está sem comando desde o fim de junho.

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