Folha de S.Paulo

Gangue da Gucci

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Numa sacada de mestre, o estilista convidou depois o designer lendário do Harlem para criarem juntos propostas de roupas, desta vez, creditadas, que viraram um sucesso retumbante e puseram Dan novamente no mapa dos fashionist­as mundialmen­te.

Logo no início da pandemia, a marca resolveu criar o próprio festival de cinema, o GucciFest e convidou cineastas do calibre de Gus Van Sant para, em vez do desfile, mostrar suas roupas em pequenos curtas-metragens. Convidou ainda designers em ascensão para dividir a ribalta e, assim, ter o próprio calendário de lançamento­s.

A ideia perdurou até este mês, quando a Gucci anunciou o retorno para as passarelas de Milão, numa retomada da semana de moda local que já sentia o baque de não ter a grife que costuma abrir sua maratona de apresentaç­ões.

A verdade é que, hoje, ter o selo do universo de Alessandro Michele colado em músicas, filmes e material visual eleva o produto a um patamar de arte e amplifica a audiência. O pop agradece. Harry Styles, por exemplo, foi de ídolo teen a símbolo sexual da nova geração quando aderiu ao look Gucci em suas aparições e na identidade de seus clipes.

Quando apareceu na capa da Vogue americana em dezembro do ano passado, trajado com vestido Gucci, pôs no balaio das redes sociais a discussão da quebra da divisão de gêneros proposta por Michele em seus desfiles e reproduzid­a por seus concorrent­es.

No Brasil, a marca chamou artistas para vestirem suas peças e comemorare­m os cem anos da grife. Entre eles, estava Majur, artista não binária que traduz toda a diversidad­e implicada nos cortes precisos do diretor criativo.

O último desfile, no início do mês e primeiro a reunir plateia, traduziu esse legado comportame­ntal alinhavado por ele nos últimos anos. Em plena Hollywood Boulevard, numa Los Angeles iluminada pelos letreiros de neon, dezenas de modelos saíram em marcha exibindo o que o designer chamou de “Love Parade”, algo como “passeata do amor”.

Inspirado no glamour hollywoodi­ano do passado, o estilista fundiu bolinhas de pompoarism­o, lingerie erótica e estética queer ao imaginário do faroeste americano, do glamour carregado de paetês dos tapetes vermelhos à miscelânea gráfica que compõe sua trajetória desde que ele deixou a divisão de acessórios da marca para a comandar.

“Recentemen­te, estive pensando sobre como a Gucci está conectada a esse mundo do cinema, enquanto tantas marcas olham para a monarquia, a aristocrac­ia e esse mundo burguês de perfil jet setter”, alfineta Michele. “Depois do lockdown, todo esse momento que passamos, eu quis dar um recomeço para a moda.”

Ele afirma não ser possível definir ainda como a pandemia afetou, ou se afetará, a forma como enxerga o mundo e conduz sua tesoura, porque ainda tudo é recente e “só vamos perceber essas mudanças com o passar dos anos”.

Observa, no entanto, que “a possibilid­ade da morte certamente nos aproximou da linha entre vida e morte”. “Não posso fazer nada mais do que viver. Esse trabalho é também sobre o medo de morrer, o que nos torna humanos e nos aproxima dos animais”, ele afirma.

Por isso, o espetáculo proposto por ele nesta nova coleção, que chega em abril ao país, tem a ver com o desejo, “e o desejo, você sabe, é erótico”.

“Moda é sobre transforma­r desejo em roupas. Esse desfile é uma forma de abraçar o grande retorno, fazer as pessoas voltarem às ruas, para esse lugar de liberdade e amor. E amor é uma palavra tão forte que não poderia ser expressa em um desfile, ele é mais uma passeata”, diz, relacionan­do o seu ofício a uma expressão puramente animalesca.

Tão animal quanto a gastança que clientes pelo mundo fazem para deter um pedaço dessa nova casa Gucci, que está mais para mansão, como a temporária que montou neste mês em São Paulo com vestidos exclusivos que partem de R$ 50 mil e podem chegar a R$ 300 mil.

No rap “Gucci Gang”, o rapper Lil Pump traduziu o desejo por uma peça cantando o termo que batiza a música, tocada nas lojas da marca como trilha sonora. Das dezenas de milhares de vezes em que o nome aparece em faixas musicais, em nenhuma delas a marca pagou um centavo. Nem abriu a carteira para o filme que coroa sua história.

“Não tive nada a ver com o filme, a não ser o fato de termos aberto os arquivos para a pesquisa. Mas acho interessan­te como uma marca pode ser tão popular ao ponto de liderar um roteiro de filme”, disse na entrevista realizada após o desfile em Los Angeles, dando como encerrado o assunto sobre o longa lançado agora.

Michele emenda com uma expressão para entender suas roupas, o momento da moda e o que desejam seus devotos que, assim como Lady Gaga faz no filme, rezam “em nome do pai, do filho e da casa Gucci”. “Agora, já podemos ir à festa.”

Não tive nada a ver com o filme, a não ser o fato de termos aberto os arquivos para a pesquisa. Mas acho interessan­te como uma marca pode ser tão popular ao ponto de liderar um roteiro de filme

A possibilid­ade da morte certamente nos aproximou da linha entre vida e morte. Não posso fazer nada mais do que viver. Esse trabalho é também sobre o medo de morrer, o que nos torna humanos e nos aproxima dos animais

Recentemen­te, estive pensando sobre como a Gucci está conectada a esse mundo do cinema, enquanto tantas marcas olham para a monarquia, a aristocrac­ia e esse mundo burguês de perfil jet setter. Depois do lockdown, todo esse momento que passamos, eu quis dar um recomeço para a moda

É impossível planejar o meu trabalho. É algo que acontece de forma muito orgânica e natural. Hoje, não temos mais tempo para preservar nada além da beleza

Alessandro Michele

diretor criativo da Gucci

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Fotos Divulgação Looks da Gucci, sob o comando criativo de Alessandro Michele
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Cosimo Sereni/Divulgação Modelos em desfile da Gucci em Los Angeles
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