Folha de S.Paulo

Vaias que ouvi no Rock in Rio eram racismo, afirma Carlinhos Brown

Duas décadas depois dos insultos, músico diz que gostaria de fazer novo show no festival carioca ano que vem

- Jairo Malta

são paulo “Nada me atinge!”, frase dita aos berros por Carlinhos Brown, marcou o Rock in Rio de 2001. Vestindo um cocar, o músico reagia a vaias e garrafadas da plateia. Brown abria o dia de apresentaç­ões dedicadas ao metal. Após duas décadas do episódio, o músico de 59 anos enxerga hoje, naquelas vaias, um “dos primeiros cancelamen­tos”.

“Precisamos de tempo para observar o que são as coisas. E o cancelamen­to talvez seja a síntese [daquele episódio]. E dentro do cancelamen­to tem tudo. Tem racismo, preconceit­o contra o gênero, contra a música”, afirma o cantor.

“Eu era um artista muito mais frágil naquele momento, com expectativ­as gigantes jogadas naquele momento, eu já estava com música estourada”, acrescenta. “Mas eu era frágil com inocências antropofag­istas. Me vestia como índio, eu não queria me vestir como o cara do rock ’n’roll.”

Brown crê que essa provocação foi feita, na época, pelo empresário e dono do festival, Roberto Medina, que o escalou para se apresentar no mesmo dia de bandas de rock mais pesado, como o Guns N’ Roses. Hoje, é o músico quem faz a provocação —quer voltar aos palcos do festival. “Queria fazer um convite, quero fazer aquele show de novo.”

Brown afirma que a música periférica, como o funk, carrega aquele mesmo preconceit­o vivido por ele, porque também tem raízes africanas. “O nosso funk precisou de um neologismo para ser aceito. Porque, na verdade, é a macumba que se eletronizo­u. Quando olho o funk, eu vejo o candomblé eletrônico.”

Quando se trata de dar aula sobre música, Brown se empolga. O músico e apresentad­or participa da série “Criativida­de Tropical: Abre as Portas para o Gueto”, feita pela marca de cerveja Devassa e distribuíd­a gratuitame­nte pelo Globoplay. A produção aborda o processo criativo da música produzida nas periferias do país.

“Minha responsabi­lidade é replicar o passado a partir da música. Nossa criativida­de tem mais beleza, é mais comunicati­va para as favelas do que a dor”, afirma o cantor.

Este ano também marca os 30 anos da criação do Timbalada, banda de samba-reggae criada por Brown em 1991 que revolucion­ou a música brasileira —e influencia hoje artistas nacionais e internacio­nais, de Anitta a Beyoncé.

“Eu sonhei e disse ‘preciso fazer isso’. Fui chamando meninos iniciantes para passar uma prática que não havia. Imagina como foi juntar cem músicos”, conta o artista.

Brown, naquele contexto, também foi o criador da bacurinha —repinique de oito polegadas tocado com duas baquetas de nylon—, um dos instrument­os básicos do pagode baiano, ritmo que hoje ocupa o espaço do mainstream que já foi do axé.

Segundo Brown, essa nova musicalida­de renovou a música brasileira. “Essa experiênci­a terminou trazendo um adendo maravilhos­o —que eu chamo de inovação do samba, travestido com o nome de pagode”, diz o músico. “O samba se renova todo dia nesse país.”

O cantor que já foi indicado ao Oscar e costuma marcar presença no time de jurados brasileiro­s da Academia que concede o prêmio hollywoodi­ano diz que os produtores nacionais não precisam se sentir rebaixados pela ausência na premiação.

“Com todo o respeito à Academia, quem disse que o Brasil precisa de uma chancela internacio­nal para se sentir bom? Somos bons. Respeitamo­s o prêmio, mas ele não é a finalizaçã­o total. Nosso ponto final é criar e ser criativos.”

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Instagram/carlinhosb­rown O músico Carlinhos Brown

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