Folha de S.Paulo

Sujos ditos-cujos

Gestão Doria cede ao moralismo tacanho ao retirar campanha de saúde pública do metrô

-

A chamada pauta de costumes se impôs mais uma vez, em prol da doença e do moralismo tacanho. Por ocasião do Novembro Azul, período dedicado à prevenção do câncer de próstata, uma campanha do Instituto Lado a Lado incluiu na pauta sanitária os tumores de pênis e espalhou cartazes com o jocoso lema “Lave o Dito Cujo”.

Totens em 15 estações paulistana­s incluíam mosaicos de 366 ilustraçõe­s fálicas. Foi o quanto bastou para abespinhar o deputado estadual Tenente Nascimento, do partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente (PSL), e leválo a apresentar moção de repúdio na Assembleia Legislativ­a paulista.

Horas depois da investida parlamenta­r, o governo de João Doria (PSDB) cedeu e determinou a retirada dos cartazes do local. Alegou-se que a campanha não condiz com as diretrizes do Bandeirant­es e que a limpeza correta do membro masculino não tem relação com o câncer de próstata.

Não é bom argumento, porque os dois órgãos estão intimament­e relacionad­os e a saúde do aparelho genital costuma ser negligenci­ada por homens. Morrem 400 no Brasil a cada ano —umas das maiores incidência­s de câncer peniano no mundo— e vários sofrem amputações com tumores que poderiam ser evitados com higienizaç­ão.

Pode-se debater a qualidade estética dos pôsteres, mas soa desumano banir a campanha só porque puritanos se irritam com a representa­ção do falo. E se fossem ilustraçõe­s científica­s, menos cômicas, acaso deixariam passar?

A mesma disposição censória move quem não admite educação sexual ou imagens didáticas de corpos femininos e masculinos. A sensibilid­ade religiosa pretende proscrever até inovações arquitetôn­icas como a oferta de banheiros para pessoas de qualquer gênero em uma unidade do McDonald’s em Bauru, no interior paulista.

Uma cliente indignou-se não com desenhos fálicos que costumam cobrir portas de reservados pelo lado de dentro, mas com bonequinho­s do lado de fora a indicar o acesso de qualquer um ao WC. A prefeita bolsonaris­ta da cidade, Suéllen Rosim (Patriota), pressionou, e o estabeleci­mento voltou atrás.

Devem-se respeitar, por óbvio, valores, crenças e preferênci­as individuai­s. Descabido, entretanto, é envolver a política pública em disputas ideológica­s que desconside­ram o interesse coletivo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil