Folha de S.Paulo

A mãe das indústrias sob ataque

Ciência deve ser compreendi­da como capaz de gerar empregos e renda

- Luiz Osório Silveira Leiria Professor doutor do Departamen­to de Farmacolog­ia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universida­de de São Paulo (FMRP-USP)

A pandemia de Covid-19 colocou os cientistas nos holofotes e de quebra fez ao menos parte da população enxergar que em terras tupiniquin­s se faz ciência sim. Como nada parece ter lógica nestes tempos, com a pandemia também vieram cortes no orçamento das agências de fomento federais, Capes e CNPq, que receberam o tratamento digno das coisas desimporta­ntes no exato momento em que eram essenciais. Para nosso azar, o momento de maior popularida­de da ciência junto ao brasileiro coincidiu com seu momento de maior desprestíg­io junto às esferas de poder, especialme­nte o Executivo federal.

A pesquisa científica deve ser entendida como uma indústria capaz de gerar empregos e renda. Sempre vista como um investimen­to que traz resultados no longo prazo, já passou da hora de enxergar que o investimen­to público nessa indústria gera empregos no curto e médio prazos, de forma direta e indireta.

Através de sua agência de fomento (Fapesp), somente o estado de São Paulo investe em média R$ 200 milhões por ano em bolsas de estudos (e tem margem para melhorar). O investimen­to em bolsas é também acreditar no primeiro emprego do jovem que está transitand­o entre a graduação e o mercado de trabalho —e, consequent­emente, movimenta a atividade econômica.

Produtoras de insumos e serviços de suporte à pesquisa se instalam em torno de “hubs” de produção científica. Nessas áreas criam fábricas e trazem empregos, além de acelerar a pesquisa, num ciclo virtuoso. Curiosamen­te, elas não se instalam no Brasil, pois não há demanda suficiente. Logo, importamos insumos, o que torna a pesquisa mais lenta e cara: um ciclo vicioso, ladeira abaixo.

Ainda assim o leitor pode questionar se não estou exagerando quando falo em “indústria da pesquisa científica”. Pois bem: não só o é, como também é a mãe de todas as outras. Não é em vão que os polos tecnológic­os se instalam ao redor ou dentro de polos universitá­rios, inclusive no Brasil. O exemplo mais icônico é o da região de Boston (EUA), que, devido às grandes universida­des, se tornou o maior “hub” da indústria das “biotechs”, reunindo mais de 300. Este ecossistem­a é considerad­o o principal motivo da rápida recuperaçã­o da economia da região após a crise aguda da pandemia.

A famigerada recuperaçã­o em “V” não ocorre em vão. O desenvolvi­mento desses ecossistem­as só pode ser viabilizad­o através do aporte de investimen­to público em ciência, o que no caso da área biomédica norte-americana é garantido majoritari­amente pelo National Institutes of Health (NIH), uma agência pública de fomento. Segundo argumentam os professore­s do MIT (Massachuse­tts Institute of Technology) Simon Johnson e Jonathan Graber no livro “Jump-Starting America”, cada US$ 10 milhões investidos pelo NIH resulta em US$ 30 milhões de retorno na iniciativa privada.

Se insistirmo­s em não enxergar isso em tempo, continuare­mos a sofrer “7 a 1” diários. Outras crises globais podem estar no horizonte, e espero que até lá tenhamos criado as condições reais de reagir em “V” e não em “U”. Meu medo é que na toada atual sejamos apenas capazes de reagir em “L”.

Produtoras de insumos e serviços de suporte à pesquisa se instalam em torno de “hubs” de produção científica. Nessas áreas criam fábricas e trazem empregos, além de acelerar a pesquisa, num ciclo virtuoso. Curiosamen­te, elas não se instalam no Brasil, pois não há demanda suficiente. Logo, importamos insumos, o que torna a pesquisa mais lenta e cara

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