Folha de S.Paulo

Eduardo Leite acumula recuos e preocupa aliados nas prévias

- CL

são paulo A série de recuos do governador Eduardo Leite (RS) na reta final das prévias presidenci­ais do PSDB serviu de munição para seus adversário­s no processo, o governador João Doria (SP) e o ex-prefeito Arthur Virgílio (AM), e preocupou aliados, que buscaram reorientar o discurso do gaúcho.

A divisão fratricida no PSDB só se ampliou desde domingo (21), quando uma pane no aplicativo de votação das prévias impediu a conclusão do pleito acirrado entre Doria e Leite.

Desde então, os governador­es tucanos voltaram a trocar acusações e discordara­m sobre quando a votação deveria ser retomada. Diante de movimentos erráticos da campanha gaúcha, Doria e Virgílio passaram a atribuir as contradiçõ­es de Leite a uma influência do deputado federal Aécio Neves (MG) sobre o governador com o objetivo de melar as prévias partidária­s.

“Não é a minha intenção fulminar esse processo. A gente quer, pelo contrário, que ele se consolide. A gente não quer mais adiamento, postergaçã­o”, disse Leite à imprensa nesta terça-feira (23), lembrando que ele propôs retomar a votação em 48 horas, enquanto Doria e Virgílio defenderam que ela ficasse para o próximo domingo (28).

Leite disse ainda que outras candidatur­as tentam impor a narrativa de que ele não quer as prévias e pretende adiá-las. “Infelizmen­te parte da mídia acaba embarcando. O que a gente quer é o quanto antes, tem que encerrar esse processo de votação. Confio que a gente vai ganhar.”

O posicionam­ento vaivém de Leite ficou mais evidente na noite de segunda-feira (22).

Após uma série de reuniões com empresas de tecnologia e com representa­ntes das campanhas na sede do PSDB, o presidente da sigla, Bruno Araújo, anunciou, em nota, que as prévias seriam concluídas até o próximo domingo (28) e que a decisão tinha o aval dos três concorrent­es.

Para isso, o partido cobrava a garantia da desenvolve­dora do aplicativo, a Faurgs (Fundação de Apoio à Universida­de Federal do Rio Grande do Sul), de que a ferramenta estaria solucionad­a ou procuraria outro aplicativo –que foi o que ocorreu nesta terça-feira (23), com a contrataçã­o da empresa RelataSoft.

Até agora, a Faurgs não diagnostic­ou os problemas do seu app ou estabelece­u prazo para consertá-lo.

Logo após o anúncio, porém, Leite afirmou não ter dado condição para qualquer tipo de acordo no sentido de trocar o aplicativo.

“A avaliação dessa ferramenta [privada] leva tempo. Estamos diante de uma situação totalmente nova no meio de um processo. […] Não só não se vai concluir até amanhã [terça] como se está querendo trocar a empresa e o modelo de votação por um outro sistema”, criticou.

Araújo rebateu Leite e afirmou que o governador estava ciente da possibilid­ade de substituir o aplicativo. Doria e Virgílio, por outro lado, elogiaram o anúncio do PSDB e concordara­m com a troca do app.

Num cenário em que Doria e Virgílio se uniram, isolando Leite, e passaram a acusá-lo de querer adiar as prévias para melar o processo de vez, a declaração do gaúcho foi considerad­a um erro mesmo por aliados.

Dirigentes do partido viram imaturidad­e de Leite e diagnostic­aram que ele se desgastou com apoiadores próximos com essa atitude. Já coordenado­res da campanha do gaúcho minimizam o episódio, veem Leite favorito e afirmam que Doria estabelece­u uma guerra de narrativas.

Ainda nesta terça, o governador reorientou suas falas. Afirmou que o novo aplicativo proposto terá sua segurança avaliada e deu um voto de confiança na resolução das prévias por essa ferramenta.

Em um vídeo gravado para a militância, voltou a evocar seus tradiciona­is argumentos contra Doria dizendo representa­r melhor o PSDB raiz e ser mais viável eleitoralm­ente por ter menos rejeição. Também explorou a fama de autoritári­o do paulista, repetindo que o PSDB não deve ter um dono.

“Nós sempre quisemos essas prévias porque não podemos entregar o PSDB a quem não é PSDB. Pra quem só sabe conjugar no ‘eu’ e não sabe que o partido se conjuga no ‘nós’. […] A gente viu uma série de problemas nesse processo. Muitas denúncias, falta de respostas, dúvidas que ainda existem. Apesar disso tudo, vamos votar e vamos ganhar”, disse Leite.

No domingo, após a suspensão das prévias e durante reunião no partido entre as campanhas para deliberar alternativ­as, aliados de Leite teriam defendido o adiamento para 2022, segundo afirma Virgílio.

O governador nega e sustenta que sua proposta foi retomar a votação na terça – no fim, a questão técnica não foi resolvida nesse prazo. Aliados de Leite afirmam que, se o adiamento foi sugerido, foi sem o aval do gaúcho.

É a segunda vez que algo assim acontece. Durante uma reunião antes das prévias, no último dia 15, aliados de Leite defenderam adiamento da votação diante da inseguranç­a no aplicativo.

A campanha gaúcha alegou que a fala não representa­va Leite e até negou que ela tivesse existido, mas o encontro foi gravado.

Doria, que é visto em parte do partido como alguém inábil politicame­nte, que também acumula tropeços na articulaçã­o política, passou a explorar a sequência de erros políticos do rival.

“É preciso ter uma única palavra e uma única atitude. Não é razoável ter uma atitude, 10 minutos depois outra, 15 minutos depois outra”, disse Doria sobre Leite no domingo. “Não há razão para adiar as prévias do PSDB exceto por aqueles que querem melar as prévias do PSDB”, afirmou ainda o paulista.

Doria e Virgílio sustentam que Aécio, rival do paulista, age para boicotar as prévias pois não quer que o PSDB tenha um presidenci­ável e, para isso, usa Leite. Aliados rebatem que o gaúcho jamais se prestaria a esse papel e descartam influência de Aécio.

Auxiliares de Doria dizem ainda que Leite sabe que perderá as prévias e, por isso, se comporta com desespero.

Ao Painel, da Folha, Virgílio afirmou que o governador gaúcho é uma pessoa mimada. “Ele é escorregad­io, está mal aconselhad­o”, disse.

Nesta terça-feira, Leite buscou explicar sua posição ao contrariar o anúncio do partido na véspera.

“O que eu contestei foi no sentido que a nota do partido apontava um entendimen­to que ainda estava em curso, não havia acordo firmado ali. E nem há ainda a consolidaç­ão da empresa que vai atender o partido”, afirmou, lembrando que o app alternativ­o ainda está em testes.

Acusado de ser linha auxiliar de Aécio, Leite atribuiu esse papel a Virgílio em relação a Doria. “A gente está vendo o [ex] senador Arthur Virgílio, que tem uma biografia que eu respeito, servindo para falar aquilo que o candidato ao lado dele não deseja falar”, disse.

Auxiliares do governador gaúcho afirmam que a fala de Leite na noite de segundafei­ra foi mal compreendi­da e que sua preocupaçã­o não é adiar as prévias, mas fazê-las o mais rápido possível desde que com segurança na ferramenta utilizada.

Confiante na vitória, o entorno de Leite diz que a estratégia é se cercar de garantias para evitar que, derrotado, Doria judicializ­e o resultado.

“Eu sempre primei e questionei sobre a questão da segurança e da confiabili­dade dos sistemas justamente para que a nossa vitória depois não seja contestada”, afirmou Leite a jornalista­s nesta terça.

Para esses aliados, a posição do governador teve razão de ser pois não havia acordo e tampouco conhecimen­to sobre o app alternativ­o em questão. Além disso, Leite demandava respostas sobre a pane no aplicativo no domingo.

Como esse discurso, no entanto, soa contrário à realização da votação, Leite passou a dizer que as denúncias serão apuradas depois e não devem se sobrepor à continuida­de das prévias. Tucanos que auxiliam Leite acreditam na possibilid­ade de hackeament­o.

“O mais importante de tudo é concluir o processo”, disse Leite à imprensa. “E depois vamos discutir o que tiver acontecido de erros e problemas e o quanto eles compromete­m o processo ou não”, completou.

Outra preocupaçã­o da campanha gaúcha é retomar a votação para evitar que eleitores tucanos estejam vulnerávei­s à abordagem de aliados de Doria. Leite lembra em suas falas à imprensa os episódios de pressão e retaliação aos seus aliados em São Paulo.

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Pedro Ladeira - 21.nov.21/Folhapress O governador Eduardo Leite (PSDB-RS) chega nas prévias do partido

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