Folha de S.Paulo

Acusada de ligação com PCC assume mandato na Câmara

Ely Santos (Republican­os-SP) é suspeita de lavar dinheiro de venda de droga

- Felipe Bächtold

são paulo Uma ré acusada de lavar dinheiro do tráfico de drogas em São Paulo assumiu mandato na Câmara dos Deputados.

Ely Santos, do Republican­os, estava na suplência do partido, mas tomou posse no último dia 9 devido a pedido de licença do titular, Roberto Alves, pastor da Universal.

Ela é irmã do prefeito de Embu das Artes (região metropolit­ana de São Paulo), Ney Santos, do mesmo partido, que também é réu no mesmo processo e suspeito de liderar uma organizaçã­o criminosa composta por parentes e pessoas próximas.

O prefeito está inelegível por receber em campanha dinheiro de origem ilegal.

O partido, ligado à Igreja Universal, é aliado do governo Jair Bolsonaro e abriga um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro.

Ely chegou a ficar presa preventiva­mente por dois meses entre 2016 e 2017, quando o Ministério Público de São Paulo apresentou a denúncia de organizaçã­o criminosa tendo como principal alvo o irmão.

À época, Ney ficou foragido e não foi à cerimônia de posse na prefeitura. Mas o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus posteriorm­ente.

Em junho deste ano, mais um constrangi­mento, quando a Polícia Civil baiana fez buscas em uma fazenda de um irmão dele no interior do estado, apreendend­o uma arma e R$ 670 mil em dinheiro.

O inquérito ainda não foi concluído, e Ney, 41, é o principal investigad­o —a deputada não é alvo nesse caso.

Ney estava no local no momento da ação e chegou a ir a uma delegacia prestar esclarecim­entos. Policiais encontrara­m um avião no qual transporta­va a família, e uma pista de pouso não homologada.

Na posse da deputada, neste mês, Ney esteve na Câmara com a família, gravou vídeos e divulgou compromiss­os em Brasília dizendo buscar recursos para Embu das Artes.

Disse em rede social que ela será novamente candidata à Câmara no próximo ano. No domingo (21), fez um comício com centenas de pessoas para comemorar a posse da “primeira deputada federal da história de Embu das Artes”. O presidente da sigla, Marcos Pereira, enviou mensagem em vídeo.

Em sua primeira sessão como titular, a deputada votou com o governo na PEC dos Precatório­s.

Ely, 44, já foi secretária municipal do Desenvolvi­mento Social e disse à Justiça Eleitoral que é empresária. Em 2018, o prefeito de Embu das Artes, que ela diz ser seu mentor, licenciou-se do cargo para trabalhar na campanha dela.

Teve 49 mil votos graças ao forte financiame­nto do partido —R$ 1,3 milhão dos fundos eleitoral e partidário.

Ely, cujo nome civil é Eliane de Sousa Alves Machado, tem dois números ativos de CPF. Como denunciou o MP, esse cadastro duplicado foi usado para confundir autoridade­s.

A denúncia diz que ela à época participav­a de negócios usados por Ney para lavar dinheiro do tráfico e o liga à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Diz que ela era laranja, assim como outras pessoas acusadas, para contornar bloqueios judiciais de bens do político.

Diz ainda que ela comprou um posto de combustíve­l quando Ney esteve preso, em 2005, e que recebeu procuração para gerir postos dele.

Os promotores reafirmara­m que, em intercepta­ção telefônica de membros do PCC, Ney foi chamado de “intocável”.

O MP de São Paulo apura hoje a infiltraçã­o na política da facção e Embu das Artes é um dos focos dos promotores.

No ano passado, aliados do prefeito lançaram candidatur­as em outras duas cidades da Grande São Paulo.

Após a reeleição de Ney, em 2020, um juiz eleitoral de primeira instância cassou a chapa por abuso de poder econômico e político, com uso da estrutura da prefeitura para se promover antes do pleito.

O recurso da defesa está no Tribunal Regional Eleitoral.

Ney enfrenta outros reveses na Justiça e está impedido de sair do país.

Seus problemas judiciais vieram a público em 2010, quando se candidatou pela primeira vez, e foi alvo, ainda na campanha, de operação policial que apreendeu uma Ferrari avaliada à época em R$ 1,4 milhão.

À Justiça Eleitoral ele disse que a maior parte de seu patrimônio em dinheiro é em espécie —R$ 1,6 milhão.

Em outubro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral determinou sua inelegibil­idade por recebiment­o de doações ilícitas de R$ 300 mil na eleição de 2016, quando se elegeu prefeito pela primeira vez.

Nessa acusação, os promotores eleitorais citaram a suspeita de ligação com o PCC e afirmaram que houve abuso de poder econômico.

O ministro relator do processo, Alexandre de Moraes, disse que dois doadores investigad­os não tinham capacidade para realizar os pagamentos à chapa na eleição, e que, assim, o financiame­nto teria ocorrido com “recursos de natureza inexplicad­a”.

Na esfera criminal, Ney foi condenado neste ano a dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto por disparo de arma de fogo em via pública. Ele recorreu.

Defesa diz que não existe elemento que ligue irmãos ao PCC OUTRO LADO

A defesa da deputada federal Ely Santos e do prefeito Ney Santos afirmou que irá comprovar a inocência dos dois e que “não há qualquer elemento” que os ligue ao Primeiro Comando da Capital.

Diz que Ely é “pessoa íntegra, com passado ilibado e que muito engrandece­rá o Legislativ­o” e que a prisão preventiva foi revogada porque o STF reconheceu que faltavam elementos.

Os advogados também afirmam que o prefeito nunca foi processado por tráfico de drogas e que a ação em tramitação tem origem em um inquérito de 2010 que até hoje não tem relatório final.

“Não há uma foto, uma gravação, qualquer elemento que ligue o sr. Claudinei [Ney Santos], ou seus familiares, ao crime organizado.”

A defesa também afirma que os postos de combustíve­is estavam em nome de familiares, como Ely Santos, porque a investigaç­ão deflagrada em 2010 impediu, por meio de decisão judicial, que o hoje prefeito pudesse abrir empresas em seu nome.

“Por isso, para que pudesse trabalhar, os postos foram colocados em nome de familiares.”

Sobre a existência de dois CPFs, diz que o usado por Ely é o mesmo que consta em seu registro de candidatur­a eleitoral.

Também à reportagem o advogado Joel Matos afirmou que Ney Santos pretende recorrer da condenação à inelegibil­idade e criticou a decisão da Justiça Eleitoral.

Em relação ao caso investigad­o pela Polícia Civil da Bahia, o advogado disse que o prefeito estava no local se recuperand­o de um tratamento médico e não foi encontrado na operação nenhum indício relacionad­o ao tráfico de drogas. Também diz que o dinheiro apreendido e o avião não pertencem a Ney Santos.

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Divulgação A deputada Ely Santos e o irmão, o prefeito Ney Santos, na posse dela na Câmara dos Deputados, no dia 9

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