Folha de S.Paulo

Polarizaçã­o sob Bolsonaro replica em eleição na OAB-SP

Candidatos ao comando da seccional divergem sobre qual é o papel da entidade

- Géssica Brandino e Renata Galf

SÃO PAULO Ao definir nas eleições desta quinta-feira (25) quem comandará a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, maior seccional do país, a advocacia dará um indicativo do peso do perfil ideológico que deseja na entidade.

Um dos fatores que divide os cinco candidatos à presidênci­a da OAB-SP é justamente o quanto a organizaçã­o deve se posicionar em relação a temas da política nacional.

Há desde os que no discurso defendem uma atuação discreta e pautada nos interesses da advocacia aos que entendem que a Ordem deva ter uma voz ativa no que consideram ser pautas de defesa da democracia e dos direitos humanos.

De modo geral, o debate sobre a politizaçã­o da OAB não é novo. No passado, a entidade apoiou, por exemplo, o processo de impeachmen­t dos então presidente­s Fernando Collor e Dilma Rousseff.

A postura do presidente nacional da Ordem, o advogado Felipe Santa Cruz, de enfrentame­nto ao governo de Jair Bolsonaro tem sido motivo de embates na classe. Santa Cruz é tido como um pré-candidato ao Governo do Rio de Janeiro pelo PSD.

Já os postulante­s à OAB-SP evitaram se posicionar no espectro ideológico nas entrevista­s realizadas pela Folha ao longo deste mês.

Caso reeleito, o atual presidente, Caio Augusto Silva dos Santos, sinaliza que deve continuar uma linha de comando discreta adotada pela gestão nos últimos três anos.

“As instituiçõ­es têm funcionado e penso que não é papel da OAB se intrometer nos confrontos político-partidário­s que existem”, disse.

Críticos de sua gestão, acusam que seria omisso frente ao governo Bolsonaro. “O papel do presidente da OAB-SP é permitir que dentro da nossa instituiçã­o possam conviver harmonicam­ente todas as ideologias”, defende ele.

Desde 2004, Caio Santos é o terceiro advogado a presidir a OAB-SP e vem de uma sequência de dois mandatário­s que entraram na vida partidária depois de saírem do comando da Ordem.

Em 2012, no final de seu terceiro mandato, Luiz Flávio Borges D’Urso se licenciou para concorrer à Prefeitura de São Paulo pelo PTB, sendo por fim vice na chapa de Celso Russomanno.

Já Marcos da Costa, que era vice de D’Urso, foi eleito para comandar a entidade por dois mandatos, de 2013 a 2018, e também se filiou ao PTB.

Caio Santos, que integrou a diretoria de Costa ao longo de seus dois mandatos, abriu dissidênci­a no último pleito, quando foi eleito presidente.

No aspecto político, a criminalis­ta e professora Patricia Vanzolini segue um discurso semelhante ao de Caio. Ela opta por não se posicionar no espectro ideológico e diz que quem pretende dirigir uma instituiçã­o como a OAB “tem que permanecer num estado de neutralida­de”.

Ela entende que a OAB deve evitar a polarizaçã­o, mas pondera também que a entidade tem um papel importante na defesa da democracia, o que passa, segundo ela, por eventualme­nte apontar violações perpetrada­s por determinad­o governo.

“Para esse papel institucio­nal ser bem desempenha­do não é possível que sobre a OAB pese nenhum tipo de interesse próprio, de interesse político partidário”, argumentou Vanzolini.

Entre os apoios dados à sua chapa está o do ex-presidente da seccional Marcos da Costa, que foi vice de Celso Russomanno na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 2020. Ele não faz parte da chapa.

Questionad­a sobre o apoio, Vanzolini afirmou que Costa tem uma experiênci­a valiosa e que sua chapa tem um discurso de agregação, não de segregação. “Temos dentro da nossa chapa membros de todas as outras chapas de oposição da eleição passada”, completou.

Com uma campanha voltada a temas mais ligados ao campo da esquerda, como direitos humanos e representa­tividade, a candidata Dora Cavalcanti evitou definir seu posicionam­ento político, mas diz que acredita ser vista como uma pessoa de centro-esquerda.

Ela defende que a OAB deve se posicionar em relação ao governo Bolsonaro, que ela define como “desgoverno”. “Meu debate é sobre a OAB-SP, que se destaca pelo silêncio, é omissa, tímida, até encolhida, e isso precisa mudar”, afirmou.

O Sindicato dos Metalúrgic­os do ABC publicou uma nota de apoio à sua candidatur­a e divulgou a visita de Cavalcanti e sua vice, Lazara Carvalho, à sede do sindicato no fim do mês passado, em que estiveram presentes também uma vereadora e um deputado petistas.

Como advogada ela integra ainda o grupo Prerrogati­vas, que se articulou em contraposi­ção à Lava Jato e à atuação de Sergio Moro.

Na outra ponta do espectro ideológico, está o consultor jurídico Alfredo Scaff, que se identifica como conservado­r e exibe nas redes sociais o apoio de bolsonaris­tas, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

Em entrevista à Folha, Scaff afirmou que não é bolsonaris­ta, mas que apoia as coisas positivas feitas pelo atual governo. “Advocacia não tem direita e esquerda. O meu partido é a advocacia.”

Ele também criticou a postura de Santa Cruz. “O presidente da OAB tem que ter independên­cia, mas a OAB não pode ser puxadinho de partido político”, disse. Apesar de criticar a politizaçã­o da OAB, Scaff já citou a defesa dos valores da família e da pátria ao falar da importânci­a da entidade.

Também o criminalis­ta Mário de Oliveira Filho criticou o enfrentame­nto entre Santa Cruz e Bolsonaro. Para ele, os dois criaram “uma picuinha pessoal” e a transferir­am para as instituiçõ­es. “Instituiçã­o é uma coisa, questão pessoal é outra”, disse.

Quanto ao parecer da OAB que aponta crimes comuns e de responsabi­lidade de Bolsonaro, Oliveira faz uma avaliação positiva. “Um presidente da República que vai para a televisão e para a imprensa e diz que quem tomar vacina vai virar jacaré e que a vacina passa Aids, isso é uma irresponsa­bilidade absurda.”

No espectro ideológico, por outro lado, evita se posicionar: “Não sou direitista, não sou esquerdist­a. Sou criminalis­ta e defendo direitos”, afirmou.

As críticas à Lava Jato e a Moro são alguns dos poucos temas que unem os candidatos. De modo geral, eles defendem o combate à corrupção, mas entendem que a operação ficou prejudicad­a diante de abusos, além de considerar­em negativa a entrada do ex-juiz na política partidária.

Com exceção de Alfredo Scaff, todos os candidatos se disseram contrários à prisão logo após condenação em segunda instância.

Também questionad­os sobre a descrimina­lização do aborto, Scaff e Mário de Oliveira se disseram contrários a uma maior liberaliza­ção, mas disseram concordar com as possibilid­ades já previstas em lei.

Já Caio Santos, Vanzolini e Cavalcanti defendem a necessidad­e de um debate mais amplo sobre o tema, em que esteja incluída a saúde pública, mas destacam que a instância competente para tanto é o Congresso.

Professora da USP, a cientista política Maria Tereza Sadek considera importante observar o posicionam­ento político dos candidatos sobre diferentes temas, porque a OAB é uma instituiçã­o que se coloca no espaço público.

“Sendo a maior seccional do país, acaba tendo influência na nacional”, diz Sadek. “Essa eleição é relevante até para o futuro da Ordem”, avalia a cientista política.

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Marlene Bergamo/Folhapress e Zanone Fraissat/Folhapress Os candidatos à presidênci­a da OAB-SP, da esquerda para direita: Alfredo Scaff, Caio Augusto Silva dos Santos, Dora Cavalcanti, Mário de Oliveira Filho e Patrícia Vanzolini

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