Em meio a crise, Rússia e China ampliam elo militar
Países miram EUA; russos querem mais poder nuclear, e Kiev se exercita
SÃO PAULO Em meio à crise em torno da Ucrânia e à perene tensão entre Pequim e Washington no Oriente, a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping assinaram uma ampliação em sua cooperação militar visando conter os EUA e seus aliados.
Não se trata de uma aliança de fato, mas ambos concordaram em expandir seus exercícios estratégicos e patrulhas aéreas no Indo-Pacífico. Além disso, foi renovado acordo para que russos auxiliem chineses a monitorar lançamentos de mísseis nucleares contra seu território.
O movimento ocorre no momento em que a turbulência no Leste Europeu cresce dia a dia. Nesta quarta (24), tanto o Kremlin quanto Kiev iniciaram exercícios militares em meio a acusações mútuas de provocações visando iniciar uma guerra, que os EUA dizem poder ser iminente.
O ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, disse em videoconferência com seu colega chinês Wei Fenghe que o aumento da atividade de bombardeiros americanos não ocorre só na Europa, mas também no mar de Okhotsk.
A região fica perto tanto da Rússia quanto da China, e viu 22 voos de aparelhos capazes de lançar armas nucleares neste ano, ante 3 em 2020. “Com esse cenário, a coordenação russo-chinesa é um fator estabilizador nos assuntos mundiais”, disse Choigu, segundo a agência Tass.
Recentemente, russos e chineses fizeram manobras navais destinadas a alertar contra o crescente belicismo do Japão, aliado vital dos EUA. Os americanos aproveitam o fim da ocupação do Afeganistão para se reforçar na região.
A China está inserida na Guerra Fria 2.0, lançada pelos EUA para conter sua assertividade sob Xi. Um ponto de tensão central é Taiwan.
Nesta quarta, a chancelaria disse para os EUA pararem de cooperar com a ilha que a China considera sua, pois isso “dá sinais aos independentistas” —e o líder chinês deixou claro em sua de resto moderada conversa com Joe Biden que esta é a linha vermelha.
Antes, Xi havia proposto à Asean, comunidade de nações da Ásia-Pacífico, uma zona livre de armas nucleares nos mares da região. Jogada retórica, que visa pressionar a Austrália, que aderiu a um pacto militar com os EUA e Reino Unido e pode acabar com submarinos aliados com bombas atômicas em seus portos.
Por todo o alarmismo que uma aliança Moscou-Pequim possa trazer ao Ocidente, há limites. Um experiente diplomata russo lembra que “nós [russos] não os entendemos”, e há desconfiança mútua.
Durante a Guerra Fria, soviéticos e chineses quase foram à guerra total, e a aproximação americana com Pequim nos anos 1970 passa pela atração de um gigante comunista contra o outro. Putin investiu pesado em infraestrutura no oriente russo temendo a influência, inevitável, do peso econômico e geográfico chinês.
Além disso, nas duas vezes em sua história moderna em que firmou aliança militar, com franceses e alemães, a Rússia acabou invadida.
Por outro lado, como lembrou em artigo no jornal honconguês South China Morning Post o analista Alex Lo, as ações agressivas do governo Biden “jogaram russos e chineses na mesma cama, e agora é muito tarde”. “Os americanos são imprevisíveis hoje”, concordou, em outro texto, o expoente da geopolítica americano George Friedman.
Por sua vez, Wei elogiou as ações do Kremlin na Europa.
Elas, disse, “contiveram de forma bem-sucedida a pressão e as ameaças” dos EUA à frente da Otan (aliança militar).
Ele não disse, mas se referia à concentração de forças em áreas relativamente próximas das fronteiras ucranianas, o ponto mais nevrálgico da atual crise, que inclui o impasse com refugiados atraídos pela aliada russa Belarus para desestabilizar a fronteira polonesa e a protelação alemã da operação do megagasoduto russo Nord Stream 2.
Desde novembro, talvez 100 mil homens estão na região, alimentando alertas de invasão por parte dos EUA. A Ucrânia vive um contencioso com Moscou agravado desde 2014, quando a derrubada do governo em Kiev levou Putin a anexar a Crimeia e a estimular separatistas no leste do país.
No último caso, o bode segue na sala, e esta é a segunda concentração de tropas russas no ano. O Kremlin nega a intenção de invadir, e é bastante provável que não deseje isso, até pelas forças envolvidas.
Estão envolvidos cerca de 100 dos 168 batalhões táticos das Forças Armadas, grupos com no máximo 900 a 1.000 homens prontos para ação.
A Ucrânia dispõe de 2,5 vezes mais militares e está sendo reforçada, ainda que não ao nível russo, pelos EUA.
O apoio, mesmo que seu pedido para entrar na Otan esbarre no fato de viver um conflito territorial, para não falar na oposição de um Putin que quer profundidade estratégica separando suas forças das da Otan, gerou críticas.
“A situação política e militar tensa e a atividade crescente da Otan junto a nossas fronteiras exige o desenvolvimento ainda maior de nossas Forças Armadas. Temos de aumentar a capacidade de combate, mantendo a prontidão das forças nucleares”, afirmou.
“No último mês houve 30 incursões [ocidentais] contra as fronteiras russas, o que é 2,5 vezes mais do que no correspondente período do ano passado”. O reverso é verdadeiro, com patrulhas de Moscou sendo interceptadas quase que diariamente por caças da Otan.
Enquanto isso, a Ucrânia enviou 8.500 soldados para treinar em sua fronteira com a Belarus, por temor de rescaldos da crise de refugiados.
Os russos fizeram nesta quarta exercícios de surpresa no mar Negro, algo distante de águas ucranianas, onde houve manobras conjuntas lideradas pelos EUA. A região já viu russos advertindo um destróier britânico a tiros.
“Com esse cenário, a coordenação russochinesa é um fator estabilizador nos assuntos mundiais Serguei Choigu ministro da Defesa russo