Pressão por valor maior adia votação do Auxílio Brasil
Relator na Câmara diz que não vai recuar na inclusão de reajuste automático
BRASÍLIA As mudanças no Auxílio Brasil em discussão pelo Congresso devem pressionar a verba para o programa social mesmo se o governo conseguir garantir um orçamento de quase R$ 86 bilhões para o próximo ano.
O Auxílio Brasil, que substitui o Bolsa Família, foi criado por MP (medida provisória) editada em agosto e precisa ser aprovado pelo Congresso até 7 de dezembro. A Câmara adiou novamente a votação do texto nesta quarta (24) após uma disputa entre o governo e o relator da proposta, deputado Marcelo Aro (PP-MG).
Aro apresentou a líderes da Câmara uma versão que alteraria pontos do programa social com a marca do presidente Jair Bolsonaro.
Como mostrou a Folha em setembro, uma das propostas é prever uma correção automática do valor da renda transferida mensalmente à população mais pobre do país. O reajuste seria pelo INPC (índice de inflação com foco nas classes mais baixas).
Por pressão da equipe econômica, a maioria da Câmara não apoiou esse item. O time do ministro Paulo Guedes (Economia) é contra medidas que impõem aumento automático de despesas.
Líderes de partidos aliados ao Planalto atenderam ao pedido do governo e sinalizaram a Aro que o reajuste automático do benefício pago pelo Auxílio Brasil encontra forte resistência na Câmara. Diante desse cenário, o relator informou que irá recuar.
No entanto, a base aliada do governo quer aprovar outras mudanças no Auxílio Brasil sugeridas por Aro.
Uma delas é impedir que haja fila de espera para ingressar no programa de transferência de renda.
Hoje, por lei, o governo não é obrigado a atender todas as famílias que estão dentro da faixa de pobreza e extrema pobreza.
A fila, que atualmente está em torno de 1,2 milhão de cadastros, se forma porque a verba do Bolsa Família tem ficado menor que o necessário para atender a todos que tiveram o cadastro analisado pelo governo.
A verba do Auxílio Brasil para 2022 considera que 17 milhões de famílias serão atendidas —a cobertura hoje é de 14,7 milhões.
No entanto, além da fila que já se formou, houve um aumento no número de famílias que se inscreveram na faixa de pobreza e extrema pobreza pelo Cadastro Único (sistema para programas sociais), como relataram técnicos do governo à Folha em outubro diante do fim do auxílio emergencial.
Outra mudança no programa que está em debate na Câmara eleva as faixas de pobreza e extrema pobreza (critérios de entrada de uma família no programa social). Isso também abre margem para que mais pessoas se enquadrem na transferência de renda.
No início de novembro, o governo atualizou esses critérios. Hoje, para entrar no Bolsa Família, o Cadastro Único considera em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 100 por membro da família.
Rendimentos entre R$ 100,01 e R$ 200 são classificados como situação de pobreza.
O relator quer elevar essas faixas para R$ 105 por membro da família (extrema pobreza) e R$ 210 (pobreza).
De acordo com técnicos do Congresso Nacional, a elevação das faixas como critério de acesso ao programa e a determinação de que não pode haver fila de espera irão ampliar o Auxílio Brasil, pressionando a verba que será reservada para as transferências de renda já em 2022.
O relatório foi oficializado na noite desta quarta. Aro também retirou a parte que permitia aos beneficiários do programa social contratar crédito consignado. A proposta era do Ministério da Cidadania e previa que até 30% da renda fossem comprometidos. Essa medida foi derrubada pelo relator após pressão da oposição.
O governo tenta concluir a votação da MP na Câmara ainda nesta semana.
A proposta precisa do aval das duas Casas do Congresso até 7 de dezembro. Caso contrário, a criação do Auxílio Brasil perderá a validade.
O relator tentou durante esta quarta-feira (24) conseguir apoio para o dispositivo que daria reajuste automático ao benefício do programa social. Mas o governo trabalhou contra a ideia.
“No texto ideal, eu gostaria que houvesse essa indexação [reajuste automático], porque a inflação é mais sentida pelas camadas mais vulneráveis. Mas, para isso, preciso ter maioria dos votos.”
O deputado também propôs que mais beneficiários do programa tenham direito a um bônus em caso de ampliarem a renda familiar. O Ministério da Cidadania quer pagar, por até dois anos, esse valor extra para beneficiários que conseguirem emprego formal (com carteira assinada). Segundo o governo, é uma forma de incentivar que as famílias não dependam mais da renda do programa social.
Pela versão de Aro, o bônus deve ser pago mesmo a beneficiários que atuarem como microempreendedor individual (MEI) e trabalhador autônomo.
No entanto, a ideia do relator é que esse valor extra seja pago em títulos do Tesouro Nacional. O valor acumulado poderia ser resgatado após sair do programa social, perda de emprego ou fechamento da microempresa.
Além de aprovar a MP que cria o Auxílio Brasil, o governo precisa do aval do Congresso para ampliar a margem de gastos no Orçamento e, com isso, cumprir a promessa de Bolsonaro para elevar o benefício médio do programa do patamar atual de R$ 220 por mês para, no mínimo, R$ 400.
A ampliação da margem de gastos se dará pela PEC (proposta de emenda à Constituição) do Calote, que está em análise no Senado. Com essa PEC, será possível expandir o orçamento do programa para cerca de R$ 86 bilhões no próximo ano, quando Bolsonaro pretende concorrer à reeleição.