‘O Novelo’, premiado em Gramado, retrata trajetória de família negra, sem vitimismo
O Novelo ★★★★★
Brasil, 2021. Dir.: Claudia Pinheiro.
Com: Nando Cunha, Sérgio Menezes e Rocco Pitanga. Nos cinemas e nos serviços sob demanda. 16 anos
O leitmotiv de “O Novelo” é o tricô que dona Elza, mãe de cinco filhos, ensina a eles. O pai das crianças, some no mundo. Ela morre alguns anos depois, sobram os filhos, cada qual com seus problemas e, sobretudo, seus caminhos.
O mais velho, Mauro, é o que se sacrifica pelos irmãos e trabalha como um burro. No momento em que os reencontramos, Mauro mora com os irmãos Cicinho, que tenta abandonar o vício do álcool, e o mais jovem, Cacau, que ensaia uma carreira como ator. Restam os dois mais bemsucedidos, Zeca, advogado, e João, escritor de livros de divulgação científica de sucesso.
Talvez seja um mérito da peça original de Nanna de Castro a divisão da prole, de modo a dar a todos traços próprios. No cinema isso é um pouco problemático, pois, com tantos, filhos tende à dispersão.
Assim, no início, o filme se dedica ao alcoólatra e separado da mulher, que o impede até de ver as filhas. Temos a impressão de que este será o centro da ação, mas depois a mulher some. Do ponto de vista dramático isso é um inconveniente, abre uma subtrama que jamais será fechada.
Os que mais se afastaram são Zeca, o advogado, e João, o intelectual. Zeca carrega a mágoa de ter sido traído por Cacau. Quanto a João, se distanciou seja por ser intelectual, seja por ser gay. O segundo motivo é mais importante, até porque Zeca não o aceita. O encontro no hospital será uma oportunidade para os cinco irmãos se reencontrarem e passarem em revista suas relações e dificuldades.
Vale notar que os irmãos são negros. O espectador notará, mas, caso não, perceberá por uma cena. Zeca sai de um julgamento com uma cliente. Ela faz questão de chamar a atenção tanto para suas virtudes profissionais, quanto para o alto valor que paga por seus serviços. Será que uma cliente branca chamaria a atenção para o relógio caro ou o terno Armani caso fosse ele branco?
A dramaturgia tem a virtude de não enfatizar isso sem necessidade. Eles não são tão diferentes do que poderia ser uma família branca proletária. Essa é uma virtude. Não precisa caracterizar negros como vítimas; evidente que são.
O encontro no hospital pode ser um acerto de contas com a ideia de pai, mas também com a falta que faz. Tudo desemboca no novelo em que dona Elza trabalhava. No hospital o filme se apruma e puxa o fio dessas existências. O interesse vem por um grupo de ótimos atores. Claudia Pinheiro se sai bem, mas sua direção é algo incipiente, apoiada no roteiro e sem qualquer ideia forte de cinema.
Porém, me parece importante acompanhar o drama de uma família negra que não se define por serem presidiários, traficantes, evangélicos et cetera em um mundo onde vidas negras são associadas a um destino com a polícia.