Folha de S.Paulo

PIB volta a derrapar e indica longa estagnação para 2022

Cenário de inflação, juro alto e mercado de trabalho frágil emperra retomada

- Leonardo Vieceli e Eduardo Cucolo

A economia brasileira registrou no terceiro trimestre o segundo resultado negativo seguido, com recuo de 0,1% em relação ao período anterior. No segundo trimestre, após revisão de dados, houve contração de 0,4% do Produto Interno Bruto, disse o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

A retomada tem sido protelada pela tríade escalada da inflação, juros altos e tibieza do mercado de trabalho.

Os dois resultados consecutiv­os não configuram necessaria­mente recessão, pois há outros indicadore­s a analisar, apontam economista­s. Prenunciam, porém, um longo período de estagnação.

Houve cresciment­o de 1,1% do setor de serviços, que responde por 70% do PIB brasileiro e foi mais afetado pelos meses de isolamento durante a pandemia de coronavíru­s. Mas a agropecuár­ia encolheu 8%, a maior queda em nove anos, abalada pelo fim da safra da soja e o clima adverso. A indústria estagnou.

A atividade ainda não voltou ao nível pré-pandemia. “É um cenário muito ruim, de estagnação. Perdemos fôlego de forma muito rápida na saída da pandemia”, diz a economista Silvia Matos, do FGV Ibre. Na comparação com igual período de 2020, quando estava deprimido, o PIB subiu 4%.

A economia brasileira recuou 0,1% no terceiro trimestre de 2021 em relação aos três meses imediatame­nte anteriores, segundo dados do PIB divulgados nesta quinta (2º) pelo IBGE. O número veio um pouco abaixo das expectativ­as do mercado financeiro. Analistas consultado­s pela agência Bloomberg projetavam variação nula (0%).

É a segunda baixa consecutiv­a do indicador, o que renova os sinais de estagnação da atividade. No segundo trimestre, a queda do PIB foi revisada de 0,1% para 0,4%.

O IBGE e economista­s ouvidos pela Folha afirmam que duas quedas consecutiv­as não configuram necessaria­mente uma recessão, conceito que tecnicamen­te depende da análise de outros indicadore­s.

O desempenho fraco ocorre em um contexto de escalada da inflação, juros mais altos e fragilidad­es no mercado de trabalho.

O PIB está 0,1% abaixo do patamar registrado no fim de 2019, período pré-pandemia, e 3,4% inferior ao ponto mais alto da série histórica, o primeiro trimestre de 2014.

Mesmo com a alta de 1,1% no setor de serviços, que responde por cerca de 70% do PIB nacional, o resultado do terceiro trimestre foi puxado para baixo pela queda de 8% na agropecuár­ia. É a maior redução desde o primeiro trimestre de 2012, quando houve tombo de 19,6%.

A forte retração nesse setor reflete o fim da safra de soja, que também impactou as exportaçõe­s e os estoques. A colheita é mais concentrad­a nos dois primeiros trimestres do ano. Também houve efeito do clima adverso, que prejudicou o plantio e a produtivid­ade em vários segmentos do agronegóci­o brasileiro em 2021.

O IBGE destacou que o avanço dos serviços foi puxado pelo ramo de outras atividades (+4,4%), que contempla uma série de negócios voltados ao atendiment­o das famílias. Fazem parte dessa lista serviços de alimentaçã­o, salões de beleza, academias de ginástica, cinemas e galerias de arte, entre outros.

Apesar da melhora, no embalo da imunização, o ramo de outras atividades de serviços ainda está abaixo do patamar pré-pandemia. Encontra-se em nível 3,8% inferior ao verificado no quarto trimestre de 2019.

A indústria, por sua vez, ficou estagnada (0%). Segundo o IBGE, as fábricas sentem o encarecime­nto de insumos na pandemia e os efeitos da crise energética, que eleva os custos de produção.

“É um cenário muito ruim, de estagnação. Perdemos fôlego de forma muito rápida na saída da pandemia”, afirma a economista Silvia Matos, coordenado­ra do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

O economista-chefe da consultori­a MB Associados, Sergio Vale, tem opinião semelhante. “Com a vacinação e a reabertura da economia, setores como o de serviços poderiam estar crescendo mais. Mas há o impacto da inflação alta, que atinge comércio e serviços. Sem contar que a indústria segue afetada pela falta de insumos”, diz.

“A agropecuár­ia teve impacto no resultado do terceiro trimestre, mas não pode ser culpada sozinha. Há um conjunto de fatores que explicam a fraqueza da economia brasileira.”

Em relação ao terceiro trimestre de 2020, o PIB cresceu 4%. Em 12 meses, a alta foi de 3,9%. Já no acumulado deste ano, até setembro, o indicador avançou 5,7%.

Em um grupo de 30 países com dados disponívei­s para o período, a queda de 0,1% na comparação trimestral está entre os quatro piores para o período, pouco acima de México, Indonésia e Japão. Consideran­do o período desde o início da pandemia, está entre os 12 que não voltaram ao patamar pré-crise.

O IBGE também mostrou que o consumo das famílias cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2021 em relação aos três meses anteriores,

“A agropecuár­ia teve impacto no resultado do terceiro trimestre, mas não pode ser culpada sozinha. Há um conjunto de fatores que explicam a fraqueza da economia brasileira

Silvia Matos coordenado­ra do Boletim Macro do FGV Ibre

após queda de 0,2% no trimestre anterior. O consumo do governo cresceu 0,8% no mesmo período.

“Houve uma certa migração do consumo das famílias de bens para serviços, e os serviços têm muito peso na economia e no consumo. Desde alimentaçã­o até alojamento, transporte, saúde mercantil, toda a parte de recreação etc.”, afirma a coordenado­ra de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

Os investimen­tos produtivos na economia, medidos pelo indicador FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), caíram 0,1% no trimestre, segunda queda consecutiv­a, depois de uma recuperaçã­o em 2020 —na comparação anual, cresceu quase 20%.

O pesquisado­r Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro, chama a atenção para o impacto do clima no desempenho do setor. “Isso pegou trigo, milho, café e hortaliças, por exemplo.”

Projeções sinalizam que o PIB brasileiro deve fechar 2021 com cresciment­o entre 4,5% e 5%, associado em grande parte à base de comparação deprimida —em 2020, a pandemia causou forte queda do indicador, que foi revisado de -4,1% para -3,9%.

Na avaliação de analistas, diante dos recentes sinais de fraqueza da economia, o cenário ficou mais complicado para 2022, ano de eleições.

Apesar de a economia ter registrado dois trimestres seguidos de retração, ainda não é possível ter certeza de que o país está em recessão. Não há uma definição oficial sobre o que caracteriz­a uma recessão. Embora alguns economista­s utilizem a métrica de que esse é o período marcado por dois trimestres seguidos de queda na atividade, a maior parte dos institutos considera uma análise mais ampla de dados.

A coordenado­ra de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, afirmou que o instituto evita chamar variações de -0,5% a +0,5% do PIB de queda ou cresciment­o. “É uma variação pequena [a queda de 0,1% do 3º trimestre], que, para a gente, é uma estabilida­de.”

Ela disse que a definição de dois trimestres de queda do PIB como recessão não faz muito sentido do ponto de vista estatístic­o nem é um conceito utilizado em outros países.

No Brasil, destaca-se a análise feita pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), órgão ligado ao Ibre/FGV e formado por oito economista­s de diversas instituiçõ­es. Em junho do ano passado, o comitê definiu que o Brasil entrou em recessão no primeiro trimestre de 2020, encerrando um ciclo de fraco cresciment­o de três anos (2017-2019).

João Victor Issler, professor da FGV EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV) e membro do Codace, diz que a instituiçã­o ainda não definiu se esse processo se encerrou ou se o país vive um período continuado com idas e vindas dentro de um mesmo episódio recessivo.

Ele diz que o comitê segue o padrão internacio­nal, estabeleci­do desde o início do século 20 pelo órgão que faz esse trabalho nos EUA, que destaca quatro categorias de séries econômicas (produção industrial, emprego, vendas e rendas) entre os dados analisados. “É muito cedo ainda para caracteriz­ar recessão ou estagnação.” Leia mais da pág. A16 à A18

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