PIB volta a derrapar e indica longa estagnação para 2022
Cenário de inflação, juro alto e mercado de trabalho frágil emperra retomada
A economia brasileira registrou no terceiro trimestre o segundo resultado negativo seguido, com recuo de 0,1% em relação ao período anterior. No segundo trimestre, após revisão de dados, houve contração de 0,4% do Produto Interno Bruto, disse o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A retomada tem sido protelada pela tríade escalada da inflação, juros altos e tibieza do mercado de trabalho.
Os dois resultados consecutivos não configuram necessariamente recessão, pois há outros indicadores a analisar, apontam economistas. Prenunciam, porém, um longo período de estagnação.
Houve crescimento de 1,1% do setor de serviços, que responde por 70% do PIB brasileiro e foi mais afetado pelos meses de isolamento durante a pandemia de coronavírus. Mas a agropecuária encolheu 8%, a maior queda em nove anos, abalada pelo fim da safra da soja e o clima adverso. A indústria estagnou.
A atividade ainda não voltou ao nível pré-pandemia. “É um cenário muito ruim, de estagnação. Perdemos fôlego de forma muito rápida na saída da pandemia”, diz a economista Silvia Matos, do FGV Ibre. Na comparação com igual período de 2020, quando estava deprimido, o PIB subiu 4%.
A economia brasileira recuou 0,1% no terceiro trimestre de 2021 em relação aos três meses imediatamente anteriores, segundo dados do PIB divulgados nesta quinta (2º) pelo IBGE. O número veio um pouco abaixo das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam variação nula (0%).
É a segunda baixa consecutiva do indicador, o que renova os sinais de estagnação da atividade. No segundo trimestre, a queda do PIB foi revisada de 0,1% para 0,4%.
O IBGE e economistas ouvidos pela Folha afirmam que duas quedas consecutivas não configuram necessariamente uma recessão, conceito que tecnicamente depende da análise de outros indicadores.
O desempenho fraco ocorre em um contexto de escalada da inflação, juros mais altos e fragilidades no mercado de trabalho.
O PIB está 0,1% abaixo do patamar registrado no fim de 2019, período pré-pandemia, e 3,4% inferior ao ponto mais alto da série histórica, o primeiro trimestre de 2014.
Mesmo com a alta de 1,1% no setor de serviços, que responde por cerca de 70% do PIB nacional, o resultado do terceiro trimestre foi puxado para baixo pela queda de 8% na agropecuária. É a maior redução desde o primeiro trimestre de 2012, quando houve tombo de 19,6%.
A forte retração nesse setor reflete o fim da safra de soja, que também impactou as exportações e os estoques. A colheita é mais concentrada nos dois primeiros trimestres do ano. Também houve efeito do clima adverso, que prejudicou o plantio e a produtividade em vários segmentos do agronegócio brasileiro em 2021.
O IBGE destacou que o avanço dos serviços foi puxado pelo ramo de outras atividades (+4,4%), que contempla uma série de negócios voltados ao atendimento das famílias. Fazem parte dessa lista serviços de alimentação, salões de beleza, academias de ginástica, cinemas e galerias de arte, entre outros.
Apesar da melhora, no embalo da imunização, o ramo de outras atividades de serviços ainda está abaixo do patamar pré-pandemia. Encontra-se em nível 3,8% inferior ao verificado no quarto trimestre de 2019.
A indústria, por sua vez, ficou estagnada (0%). Segundo o IBGE, as fábricas sentem o encarecimento de insumos na pandemia e os efeitos da crise energética, que eleva os custos de produção.
“É um cenário muito ruim, de estagnação. Perdemos fôlego de forma muito rápida na saída da pandemia”, afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, tem opinião semelhante. “Com a vacinação e a reabertura da economia, setores como o de serviços poderiam estar crescendo mais. Mas há o impacto da inflação alta, que atinge comércio e serviços. Sem contar que a indústria segue afetada pela falta de insumos”, diz.
“A agropecuária teve impacto no resultado do terceiro trimestre, mas não pode ser culpada sozinha. Há um conjunto de fatores que explicam a fraqueza da economia brasileira.”
Em relação ao terceiro trimestre de 2020, o PIB cresceu 4%. Em 12 meses, a alta foi de 3,9%. Já no acumulado deste ano, até setembro, o indicador avançou 5,7%.
Em um grupo de 30 países com dados disponíveis para o período, a queda de 0,1% na comparação trimestral está entre os quatro piores para o período, pouco acima de México, Indonésia e Japão. Considerando o período desde o início da pandemia, está entre os 12 que não voltaram ao patamar pré-crise.
O IBGE também mostrou que o consumo das famílias cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2021 em relação aos três meses anteriores,
“A agropecuária teve impacto no resultado do terceiro trimestre, mas não pode ser culpada sozinha. Há um conjunto de fatores que explicam a fraqueza da economia brasileira
Silvia Matos coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre
após queda de 0,2% no trimestre anterior. O consumo do governo cresceu 0,8% no mesmo período.
“Houve uma certa migração do consumo das famílias de bens para serviços, e os serviços têm muito peso na economia e no consumo. Desde alimentação até alojamento, transporte, saúde mercantil, toda a parte de recreação etc.”, afirma a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Os investimentos produtivos na economia, medidos pelo indicador FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), caíram 0,1% no trimestre, segunda queda consecutiva, depois de uma recuperação em 2020 —na comparação anual, cresceu quase 20%.
O pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro, chama a atenção para o impacto do clima no desempenho do setor. “Isso pegou trigo, milho, café e hortaliças, por exemplo.”
Projeções sinalizam que o PIB brasileiro deve fechar 2021 com crescimento entre 4,5% e 5%, associado em grande parte à base de comparação deprimida —em 2020, a pandemia causou forte queda do indicador, que foi revisado de -4,1% para -3,9%.
Na avaliação de analistas, diante dos recentes sinais de fraqueza da economia, o cenário ficou mais complicado para 2022, ano de eleições.
Apesar de a economia ter registrado dois trimestres seguidos de retração, ainda não é possível ter certeza de que o país está em recessão. Não há uma definição oficial sobre o que caracteriza uma recessão. Embora alguns economistas utilizem a métrica de que esse é o período marcado por dois trimestres seguidos de queda na atividade, a maior parte dos institutos considera uma análise mais ampla de dados.
A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, afirmou que o instituto evita chamar variações de -0,5% a +0,5% do PIB de queda ou crescimento. “É uma variação pequena [a queda de 0,1% do 3º trimestre], que, para a gente, é uma estabilidade.”
Ela disse que a definição de dois trimestres de queda do PIB como recessão não faz muito sentido do ponto de vista estatístico nem é um conceito utilizado em outros países.
No Brasil, destaca-se a análise feita pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), órgão ligado ao Ibre/FGV e formado por oito economistas de diversas instituições. Em junho do ano passado, o comitê definiu que o Brasil entrou em recessão no primeiro trimestre de 2020, encerrando um ciclo de fraco crescimento de três anos (2017-2019).
João Victor Issler, professor da FGV EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV) e membro do Codace, diz que a instituição ainda não definiu se esse processo se encerrou ou se o país vive um período continuado com idas e vindas dentro de um mesmo episódio recessivo.
Ele diz que o comitê segue o padrão internacional, estabelecido desde o início do século 20 pelo órgão que faz esse trabalho nos EUA, que destaca quatro categorias de séries econômicas (produção industrial, emprego, vendas e rendas) entre os dados analisados. “É muito cedo ainda para caracterizar recessão ou estagnação.” Leia mais da pág. A16 à A18