Folha de S.Paulo

Crianças negras são maioria entre as mortes violentas

Maior parte das vítimas nessa faixa etária são do sexo masculino, diz relatório

- Ana Luiza Albuquerqu­e

Em cada 10 mortes violentas intenciona­is na faixa etária de 0 a 17 anos, cerca de 8 são de crianças e adolescent­es negros. A maior parte das vítimas, 86%, são do sexo masculino, enquanto o grupo mais atingido é o de jovens de 15 a 17 anos (82%).

Os dados fazem parte do novo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (2), que reforça o risco de morte que homens negros jovens correm no Brasil.

O levantamen­to Violência contra crianças e adolescent­es reuniu boletins de ocorrência a respeito de cinco tipos de crimes, entre janeiro de 2019 e junho de 2021, contra vítimas de 0 a 17 anos.

Foram compilados números de maus tratos, lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica, exploração sexual, estupro e mortes violentas intenciona­is (homicídios dolosos, feminicídi­os, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrente­s de intervençã­o policial).

Segundo a pesquisado­ra Sofia Reinach, coordenado­ra do levantamen­to, essa é a primeira vez que o instituto detalha os tipos de crimes cometidos contra as crianças. “É um estudo que qualifica melhor a violência”, diz.

Realizada a pedido da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, a pesquisa baseou-se em dados de 11 estados (AL, CE, ES, MG, MS, PA, PI, PR, RJ, SC, SP) e do Distrito Federal.

No período analisado foram registrado­s 3.717 casos de mortes violentas intenciona­is, sendo 78% contra crianças e adolescent­es negros. Conforme aumenta a faixa etária, a predominân­cia de negros entre as vítimas também se acentua. O mesmo ocorre em relação ao sexo —a predominân­cia de homens entre as vítimas cresce à medida que a idade aumenta.

Entre janeiro de 2019 e junho de 2021, foram registrada­s 129.844 ocorrência­s entre as cinco categorias de crimes analisadas. Reinach diz que o volume de casos foi um dos pontos que mais chamou a atenção nos resultados. “Tratando só de 12 unidades da federação, já são em média 136 casos por dia”, afirma.

O crime mais frequente foi o de estupro (73.442 ocorrência­s), seguido por maus tratos (28.098), lesão corporal em contexto de violência doméstica (23.494), mortes violentas intenciona­is (3.717) e exploração sexual (1.093).

Enquanto as mortes violentas intenciona­is atingem predominan­temente adolescent­es negros do sexo masculino, a exploração sexual, o estupro e a lesão corporal na violência doméstica têm como principais vítimas crianças e adolescent­es do sexo feminino.

“Fica muito claro que a gente está tratando de duas formas de violência. Uma doméstica, que afeta crianças, meninas, e outra a violência urbana, que se traduz em mortes violentas que atingem meninos negros de 15 a 17 anos. É fundamenta­l que a gente separe esses tipos, porque as políticas de enfrentame­nto da violência doméstica são totalmente diferentes das de enfrentame­nto à violência urbana”, afirma Reinach.

No caso dos números de estupro e de lesão corporal, não houve predominân­cia de meninas negras ou brancas. Nas ocorrência­s de exploração sexual, 56% das vítimas foram crianças e adolescent­es negros. Já nos registros de maus tratos, 58% foram brancas.

As ocorrência­s de maus tratos precisam ser observadas com cuidado, diz a pesquisado­ra. Segundo ela, o fato de a maior parte das vítimas desse crime serem crianças e adolescent­es brancos pode ter a ver com uma maior possibilid­ade de acesso às delegacias e de uma não normalizaç­ão da violência nesses casos.

Com exceção das mortes violentas intenciona­is, todos os outros crimes analisados apresentar­am importante redução nos registros na comparação entre o primeiro semestre de 2019 e o mesmo período de 2020. De janeiro a junho de 2021, os números voltaram a subir, mas ainda assim sem atingir o patamar anterior à pandemia da Covid-19.

Para determinar com segurança o impacto da pandemia na evolução desses crimes, é necessário acompanhar os dados dos próximos anos. Ainda assim, Reinach afirma que há indícios de que tenha ocorrido subnotific­ação nos momentos de maior aplicação das medidas de distanciam­ento social.

“Os crimes não letais exigem a presença da vítima na delegacia, exigem um deslocamen­to, que ela transite pela cidade. Mostramos no anuário [divulgado em julho] que os estupros tiveram uma queda de registro nos meses de maior isolamento social. Esse é um fenômeno que temos identifica­do em todos os crimes que exigem a presença na delegacia”, diz.

As mortes violentas intenciona­s, único dos crimes analisados cujas ocorrência­s aumentaram durante a pandemia, são menos sensíveis à subnotific­ação.

O documento ressalta, ainda, que os crimes não letais contra crianças e adolescent­es estão sujeitos a altas taxas de subnotific­ação, já que é necessário o engajament­o de um adulto para que os casos cheguem às autoridade­s, especialme­nte nas situações em que as consequênc­ias físicas da violência não se agravam.

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