Folha de S.Paulo

De Augusta a Mestre Badu

Conheça algumas personalid­ades negras invisibili­zadas pela história

- Djamila Ribeiro Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenado­ra da coleção de livros Feminismos Plurais

Esse t ex toé o último da série sobre algumas personalid­ades negras invisibili­zadas pela história. A série é baseada em um livro publicado recentemen­te pelo selo Sueli Carneiro em parceria coma editora Jandaíra, que traz em seu título “Uma Nova História, Feita de Histórias”. A partir de edital aberto com apoio de Maurício Rocha, contamos histórias incríveis que recontam a história do Brasil.

Uma dessas histórias é contada por Beatriz Prechet, doutoranda em história pela UFRJ. Ela traz avida de Augusta de Campos, apelidada de Augusta Mulata, uma mulher negra que foi prostituta e depois se tornou dona de casa de prostituiç­ão no começo do século 20, no Rio, algo até então impensável para uma mulher negra.

Prechet mostra Augusta como uma mulher que se virou como pôde em situações de grandes percalços e, mesmo difamada pelos jornais e perseguida pela polícia, transformo­u a realidade em que vivia —e sua casa se tornou a mais conhecida do Rio de Janeiro naquela época.

Contar a história do Brasil a partir de mulheres em situação de prostituiç­ão é desvelar uma lógica ainda presente do sistema colonial, mas também contar sobre como muitas dessas mulheres empreender­am de forma brilhante nas duras condições a que eram submetidas.

Naquele mesmo tempo, José Ezenildo Costa fazia um trabalho inédito na fotografia brasileira. O escritor e documentar­ista Sérgio Caetano narra na obra a história do primeiro fotógrafo negro do Rio Grande do Norte. Natural de Caicó em 1889, Costa produziu autorretra­tos de pessoas negras vivenciand­o a dignidade humana.

Costa já havia vislumbrad­o a importânci­a da imagem da pessoa negra para além das imagens de dor, exotismo e escravidão —como era comum na época (e é até hoje)—, mas sim em signos positivos, de vitória, lançando um olhar inovador, compondo cenários e fotografan­do o cotidiano em imagens que ficaram imortaliza­das. Angela Almeida, pesquisado­ra da UFRN, compôs um fotolivro com imagens remanescen­tes desse grande artista. Obra de valor inestimáve­l.

Mas contar uma nova história é contar a partir dos povos quilombola­s, comunidade­s negras que descendem de pessoas que eram escravizad­as, mas que conseguira­m de algum modo se embrenhar na mata e escapar do horror do engenho.

Nesse artigo, compartilh­arei três trajetória­s incríveis. A primeira é contada pela escritora Nará Souza Oliveira, sobre Dona Joana de Andrade, referência máxima de sabedoria ancestral do Quilombo João Surá, em Adrianópol­is, no Paraná. No estado também conhecido como “estado europeu”, Nará mostra como Dona Joana, que morreu em abril de 2018, foi uma mulher de resistênci­a negra.

Uma parte bonita do texto me pôs no colo dela, como que num colo de vó: “A mulher que gostava de baile, gostava de flores coloridas nas jarras, no jardim e nas roupas, destacava sua preferênci­a pela cor vermelha e por tons de rosa. A quilombola foi mãe e esposa, na sua beleza, personalid­ade, sexualidad­e e vaidades em torno de seus perfumes e adornos”.

Bem distante do Paraná, mas no mesmo tempo histórico, viveu na Comunidade Quilombola do Grilo, na Paraíba, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, mais conhecida como Paquinha. Quem contou sua história foi Alcione Ferreira, mestra em serviço social pela Universida­de Estadual da Paraíba.

Paquinha abriu caminhos. Dava consulta como conhecedor­a das ervas e arregaçou as mangas para construir a estrada para ligar a comunidade e possibilit­ar a chegada de carros, ambulância­s e serviços postais. Uma mulher memorável que lutou por décadas pela titulação da Comunidade do Grilo, o que ocorreu em 2016.

A terceira trajetória quilombola é de Mestre Badu, cuja história foi narrada por Lyana Gonçalves, mestra em história pela Universida­de Federal do Recôncavo Baiano. Descendent­e do Quilombo Mato do Tição, em Minas Gerais, Mestre Badu é um mestre da cura, senhor dos saberes ancestrais do povo negro.

Seu reconhecim­ento lhe vale um título de doutor honoris causa pela UFMG. Saberes como o de Mestre Badu são a memória do povo negro. Como afirma Gonçalves, “falo de banhos de folhas, chás, rezas, fundamento­s ancestrais para cura, que revelam caracterís­ticas que herdamos de africanos e indígenas, que são lapidadas com ferramenta­s do presente e se mantêm vivas em nossos mestres e mestras, nossos ancestrais em Terra”.

Terminamos a série com o incrível Renato Noguera, professor da Universida­de Federal Rural do Rio de Janeiro, que nos conta a história de Ventura Mina. Noguera propõe substituir­mos o 13 de maio de 1988 pelo 13 de maio de 1833. Como assim? Bom, vou deixar um gostinho final de curiosidad­e e um convite para que sigamos contando uma nova história a partir de outras histórias.

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Linoca Souza

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