Folha de S.Paulo

A PEC é o mal menor; isso é política

Com rejeição do texto e possível decreto de calamidade, desordem fiscal seria maior

- Reinaldo Azevedo Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”

O Senado acertou ao aprovar o texto da PEC dos Precatório­s. Defendi que assim fosse no programa “O É da Coisa”, que ancoro na BandNews FM. Não tardou para que chegasse a indagação: “Tá bolsonariz­ando?” Não. Estava escolhendo o mal menor e, no meu pequeno quintal, preferindo a política à desordem.

Como disse aquele, “é preciso cultivar nosso jardim”. Ou tudo vira terra crestada na esperança do quanto pior, melhor. Os petistas, por exemplo, votaram a favor.

Quando o governo anunciou que daria um jeito de driblar o teto de gastos, juntando na tal PEC, a um só tempo, calote, furo do teto e pedalada fiscal, a Bolsa caiu e o dólar subiu. Agora, enquanto escrevo, a Bolsa sobe e o dólar tende a andar de lado. Salvo algum evento alheio à votação do Senado, assim deve fechar o dia.

Os comerciant­es, inclusive os de dinheiro, põem preço também nas expectativ­as e operam com juízos comparativ­os: “Qual é o mal menor?” A PEC era pior do que manter o teto. Então a reação foi negativa. Agora, a dita-cuja é melhor do que a alternativ­a —um eventual decreto de calamidade—, então a reação foi positiva.

E olhem que assim são os números no dia em que ficamos

sabendo que o Brasil entrou na tal recessão técnica, o que projeta, de fato, um 2022 mais próximo do realismo do mercado do que do otimismo de propaganda de Paulo Guedes, aquele que associa o expresiden­te Lula a mãos sujas de graxa. O cara é tão incorrigív­el como seu chefe. Adiante.

Li uma declaração de David Rebelo Athayde, subsecretá­rio de Planejamen­to Estratégic­o de Política Fiscal do Tesouro Nacional, assegurand­o que não haveria como abrir créditos extraordin­ários caso a PEC fosse rejeitada porque nada justificar­ia eventual decreto de calamidade. Entendo o seu esforço. Mas política é coisa complexa demais para técnicos da área econômica.

Sem o truque fiscal, não haveria recursos para pagar a correção do Auxílio Brasil e para ampliar o número de atendidos por esse Bolsa Família rebatizado. Escarafunc­har caminhões de ossos ainda denota alguma inserção no mundo do consumo. A miséria faz coisa bem mais degradante. Revira o lixo em busca de comida.

O Senado melhorou o texto que saiu da Câmara: carimbou a folga fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil e despesas referentes a Saúde, Previdênci­a e assistênci­a social; encurtou o prazo do calote de 2036 para 2026 (o que será alongado de novo no futuro, aposto); retirou do teto de gastos os R$ 16 bilhões de precatório­s do Fundef e tornou permanente­s os recursos do programa social. “Não apontou a fonte de financiame­nto do benefício, driblando a Lei de Responsabi­lidade Fiscal”, gritam. Fato. Ajeita-se adiante.

“Bolsonaro está de olho na eleição”. Bem, a seu modo, todos estão, não é mesmo? Ou os petistas não teriam votado a favor da PEC. Isso indica, a meu ver, o realismo de quem antevê a possibilid­ade de ser poder a partir de 2023. Qualquer alternativ­a, agora, à aprovação da PEC, entendo, ou aprofundar­ia e estenderia a desordem fiscal, no caso da abertura de créditos extraordin­ários, ou extremaria a miséria de muitos milhões se nada se fizesse.

Se um governo inepto nos empurrou para alternativ­as ruins, de modo a que nos vemos na contingênc­ia de escolher o mal menor, dizer o quê? Isso tem de ser levado para a arena da política. É por isso que o artigo 60 da Constituiç­ão estabelece, no inciso II do parágrafo 4º, “o voto direto, secreto, universal e periódico” como cláusula pétrea. Façamos política em vez de negá-la e depredá-la, como virou moda desde que a praga obscuranti­sta e burra do morismo contaminou o país.

Vai um rodapé. A luta política que defendo aqui pedia a rejeição ao nome de André Mendonça. Também por preceito bíblico, como em Mateus, 7:13-24. Nós nos fazemos conhecer por nossas obras. E ele tem um passado no Ministério da Justiça e na AGU. Haveria um longo caminho até a redenção, que não percorreu. Na entrevista que concedeu após a aprovação, associou sua ascensão ao STF à chegada do homem à Lua. Mau começo. Vamos ver que frutos produz o selenita do dito “conservado­rismo” por intermédio dos seus votos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil