Folha de S.Paulo

Leandro Machado Pico da renovação política passou, mas há ainda um rescaldo

Cientista político e ativista lança livro sobre mobilizaçõ­es em que explica fórmulas de engajament­o e narra experiênci­as com eleições

- Joelmir Tavares Como Defender Sua Causa Autor: Leandro Machado. Editora Nacional. Preço: R$ 49,90 (impresso); R$ 34,90 (ebook) (168 págs.)

são paulo Assessor de Marina Silva na campanha à Presidênci­a de 2010 e conselheir­o do apresentad­or Luciano Huck em seus ensaios de ingresso na política, Leandro Machado acredita que o cenário favorável à renovação política que está perto do fim.

“O pico [da renovação política] foi entre 2014 e 2018. Aí começou a arrefecer, mas há ainda um rescaldo”, diz o cientista político que ganhou espaço como cofundador da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade) e do movimento Agora!.

Ele lança o livro “Como Defender Sua Causa”, em que narra experiênci­as com mobilizaçõ­es na iniciativa privada e na arena pública —e ainda oferece uma espécie de manual de advocacy (ações de comunicaçã­o e pressão política em prol de uma bandeira).

Machado também analisa no livro exemplos de iniciativa­s das quais não participou diretament­e, como a campanha pela Lei da Ficha Limpa e as manifestaç­ões de junho de 2013. Além disso, fornece um passo a passo para ativistas que sonham em impactar a vida de sua comunidade ou os rumos do país.

* A opção de não se aprofundar no livro na questão da renovação política pode ser lida como sintoma de que essa causa fracassou?

Decidi abordar na obra mais o caminho profission­al que trilhei nos últimos 20 anos, nas áreas de relações institucio­nais e organizaçõ­es sociais, e menos a minha atuação cívica.

Já tem muita gente bacana estudando os movimentos de renovação, enquanto a questão do advocacy, que resumo como ações integradas de comunicaçã­o e pressão política em prol de uma causa, ainda é pouco pesquisada. Quis compartilh­ar esse ferramenta­l.

A renovação é um ciclo que se encerrou?

As demandas sociais mudam conforme mudam o contexto, a política, a sociedade. Eventos como a pandemia mudam o curso da história, o zeitgeist [espírito do tempo], e consequent­emente o que os grupos sociais demandam. O pico foi entre 2014 e 2018. Aí começou a arrefecer, mas há ainda um rescaldo. Com a crise da Covid-19, entrou o debate sobre gestão e experiênci­a.

O declínio se relaciona com o mandato de Jair Bolsonaro, presidente que se elegeu com discurso de renovação?

Primeiro, é bom deixar claro que só quem estava em coma acreditou que Bolsonaro era renovação de alguma coisa. Ele era do sistema, mas muito espertamen­te e sem nenhum pudor se colocou como renovação, assim como surfou a onda da Operação Lava Jato.

Acredito que, sim, possa ter tido um refluxo na questão por conta do Bolsonaro, em parte. E também por causa da falta de qualidade de alguns parlamenta­res que entraram. Com desempenho sofrível, foram ser youtubers no Congresso, com produção irrelevant­e e repetindo velhas mazelas e mecanismos.

Não adianta ser uma pessoa nova, mas com ideias e métodos arcaicos. Renovação é algo que independe de idade, e a Marina [Silva] é um exemplo disso. Ela foi um grande motor da renovação e uma inspiração para muitos jovens.

A desistênci­a de Huck de se candidatar em 2022 teve a ver com a superação da onda de outsiders, os candidatos de fora do sistema?

Nunca conversei com ele diretament­e sobre isso, até porque ele nunca postulou que seria candidato. Mas analisávam­os cenários e movimentaç­ões das forças políticas dominantes, com a mudança dos anseios do eleitorado. É claro que houve um certo declínio desse tema [renovação] como a questão política central, e esse é um fator que impacta a estratégia de qualquer candidato.

Bolsonaro, que prometeu “botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, inibiu a ebulição de caus asou conseguiuu­m efeito contrário?

É cedo para concluir, mas já dá para ver algumas consequênc­ias. É fato que este governo faz o que estiver ao alcance para fechar o espaço cívico, tentar calar opositores, desacredit­ar quem pensa diferente, acabar com conselhos e fóruns participat­ivos. Falando de participaç­ão social e ativismo, é o governo mais retrógrado desde a redemocrat­ização. No entanto, a sociedade tem resistido com força e conseguido minimament­e manter algumas questões livres desse fechamento total.

Bolsonaro, então, não conseguiu matar o ativismo?

De jeito nenhum. Nem teria poder para isso. Nem o militarism­o todo, quando ilegalment­e exerceu o poder no Brasil [na ditadura], conseguiu matar. Não vai ser um capitão excluído do serviço ativo do Exército que conseguirá. Espaço para causas sempre vai haver.

O sr. era da ala do Agora! que quis em 2018 declarar apoio a Fernando Haddad (PT) no segundo turno, proposta que acabou sendo rejeitada na época, com o movimento optando pela neutralida­de. Sob uma gestão petista, o cenário para o ativismo estaria diferente?

Não posso dizer como seria um governo Haddad, mas algumas coisas efetivamen­te não mudariam. Por exemplo, o estado financeiro do Brasil. Desde a Dilma [Rousseff], já estávamos com escassez de recursos públicos. Nesse sentido, parcerias e destinação de recursos para ONGs diminuiria­m de qualquer forma.

Entretanto, é óbvio que faz muita diferença ter um governo, e seja ele de quem for, que diga que as organizaçõ­es da sociedade civil têm seu papel e um que fala que ONGs são nocivas ao país e passa uma mensagem de que só o ativismo do outro lado é coisa de vagabundo, e o meu, não.

Como, na sua visão, esse caldo de ativismos, ódios e paixões que o país vive vai desembocar em 2022?

Eu não cometeria a sandice de fazer previsão de desfecho eleitoral, mas acho que a eleição vai ser pautada pelas causas que nos tocam neste momento de crise, como a questão da saúde gratuita como direito universal. Pautas que emergiram na pandemia, como o combate à fome e a busca de igualdade racial, vão impactar os temas discutidos.

Como contornar a evidência de que o poder econômico é determinan­te para uma causa ser bem-sucedida?

Éum fato: quem tem mais poder econômico consegue defender seus interesses com maior facilidade no Brasil. Algo que impacta muito isso no país é a não regulament­ação do lobby, da defesa de interesses específico­s, que não é algo ilegal.

Ao não regulament­ar, os mais fortes e poderosos ficam sempre em vantagem. Mas não só organizaçõ­es ricas conseguem ter sucesso, e dou o exemplo da Cufa [Central Única das Favelas].

A hipervalor­ização do papel da sociedade civil pode se confundir com defesa do neoliberal­ismo ou transferên­cia de responsabi­lidades do Estado para o cidadão?

Essa é uma crítica que caberia algumas décadas atrás. Com a revolução digital, a sociedade e o tempo de resposta que esperamos mudaram. Antes, canais de atuação e pressão eram muito limitados, na mão de poucos. Hoje há uma estrutura mais distribuíd­a.

Em uma sociedade como a brasileira, é impossível pensar que esse ente que chamamos de governo pode resolver tudo sozinho. As soluções só virão com todos à mesa. Não defendo Estado mínimo, acho uma bobagem. O Estado tem que ter o tamanho necessário para resolver os problemas. No Brasil, precisamos de um Estado grandinho, mas a sociedade precisa e deve ajudar.

Como vê o senso comum de que o brasileiro é passivo, apático?

Não acredito que haja uma cultura do imobilismo em relação às questões políticas. Sempre há uma parcela da população com ímpeto de se envolver mais, sair de casa, se mexer.

O que afeta a mobilizaçã­o no Brasil é a falta de renda de uma enormidade de cidadãos que precisam cuidar de problemas muito mais básicos e urgentes. Fica difícil imaginar que um cara que está pensando se vai ter ou não o que comer fará uma passeata na [avenida] Paulista. Talvez não tenha nem dinheiro para ir até lá.

Apesar disso, vejo uma sociedade cada vez mais engajada, em níveis diferentes. Desde o ativista de sofá, que fica ali clicando e pelo menos está fazendo alguma coisa, até aquele que tem o ímpeto de criar um movimento, uma ONG.

Como o sr. se sentirá se as lições do seu livro forem usadas para impulsiona­r causas das quais discorda, como maior acesso a armas ou proibição do aborto mesmo em casos legais?

Já pensei bastante sobre isso [risos]. É uma preocupaçã­o, porque estou apresentan­do uma metodologi­a que pode ser usada para coisas que absolutame­nte estão muito distantes daquilo em que acredito.

Por outro lado, há o benefício de ter mais e mais pessoas usando esse material para lutar pelas causas certas. Mas é aquilo: quando você cria uma mobilizaçã­o, nem sempre sabe exatamente onde ela vai parar. E por isso você vai deixar de fazer?

“Não adianta ser uma pessoa nova, mas com ideias e métodos arcaicos. Renovação é algo que independe de idade

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