Leandro Machado Pico da renovação política passou, mas há ainda um rescaldo
Cientista político e ativista lança livro sobre mobilizações em que explica fórmulas de engajamento e narra experiências com eleições
são paulo Assessor de Marina Silva na campanha à Presidência de 2010 e conselheiro do apresentador Luciano Huck em seus ensaios de ingresso na política, Leandro Machado acredita que o cenário favorável à renovação política que está perto do fim.
“O pico [da renovação política] foi entre 2014 e 2018. Aí começou a arrefecer, mas há ainda um rescaldo”, diz o cientista político que ganhou espaço como cofundador da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) e do movimento Agora!.
Ele lança o livro “Como Defender Sua Causa”, em que narra experiências com mobilizações na iniciativa privada e na arena pública —e ainda oferece uma espécie de manual de advocacy (ações de comunicação e pressão política em prol de uma bandeira).
Machado também analisa no livro exemplos de iniciativas das quais não participou diretamente, como a campanha pela Lei da Ficha Limpa e as manifestações de junho de 2013. Além disso, fornece um passo a passo para ativistas que sonham em impactar a vida de sua comunidade ou os rumos do país.
* A opção de não se aprofundar no livro na questão da renovação política pode ser lida como sintoma de que essa causa fracassou?
Decidi abordar na obra mais o caminho profissional que trilhei nos últimos 20 anos, nas áreas de relações institucionais e organizações sociais, e menos a minha atuação cívica.
Já tem muita gente bacana estudando os movimentos de renovação, enquanto a questão do advocacy, que resumo como ações integradas de comunicação e pressão política em prol de uma causa, ainda é pouco pesquisada. Quis compartilhar esse ferramental.
A renovação é um ciclo que se encerrou?
As demandas sociais mudam conforme mudam o contexto, a política, a sociedade. Eventos como a pandemia mudam o curso da história, o zeitgeist [espírito do tempo], e consequentemente o que os grupos sociais demandam. O pico foi entre 2014 e 2018. Aí começou a arrefecer, mas há ainda um rescaldo. Com a crise da Covid-19, entrou o debate sobre gestão e experiência.
O declínio se relaciona com o mandato de Jair Bolsonaro, presidente que se elegeu com discurso de renovação?
Primeiro, é bom deixar claro que só quem estava em coma acreditou que Bolsonaro era renovação de alguma coisa. Ele era do sistema, mas muito espertamente e sem nenhum pudor se colocou como renovação, assim como surfou a onda da Operação Lava Jato.
Acredito que, sim, possa ter tido um refluxo na questão por conta do Bolsonaro, em parte. E também por causa da falta de qualidade de alguns parlamentares que entraram. Com desempenho sofrível, foram ser youtubers no Congresso, com produção irrelevante e repetindo velhas mazelas e mecanismos.
Não adianta ser uma pessoa nova, mas com ideias e métodos arcaicos. Renovação é algo que independe de idade, e a Marina [Silva] é um exemplo disso. Ela foi um grande motor da renovação e uma inspiração para muitos jovens.
A desistência de Huck de se candidatar em 2022 teve a ver com a superação da onda de outsiders, os candidatos de fora do sistema?
Nunca conversei com ele diretamente sobre isso, até porque ele nunca postulou que seria candidato. Mas analisávamos cenários e movimentações das forças políticas dominantes, com a mudança dos anseios do eleitorado. É claro que houve um certo declínio desse tema [renovação] como a questão política central, e esse é um fator que impacta a estratégia de qualquer candidato.
Bolsonaro, que prometeu “botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, inibiu a ebulição de caus asou conseguiuum efeito contrário?
É cedo para concluir, mas já dá para ver algumas consequências. É fato que este governo faz o que estiver ao alcance para fechar o espaço cívico, tentar calar opositores, desacreditar quem pensa diferente, acabar com conselhos e fóruns participativos. Falando de participação social e ativismo, é o governo mais retrógrado desde a redemocratização. No entanto, a sociedade tem resistido com força e conseguido minimamente manter algumas questões livres desse fechamento total.
Bolsonaro, então, não conseguiu matar o ativismo?
De jeito nenhum. Nem teria poder para isso. Nem o militarismo todo, quando ilegalmente exerceu o poder no Brasil [na ditadura], conseguiu matar. Não vai ser um capitão excluído do serviço ativo do Exército que conseguirá. Espaço para causas sempre vai haver.
O sr. era da ala do Agora! que quis em 2018 declarar apoio a Fernando Haddad (PT) no segundo turno, proposta que acabou sendo rejeitada na época, com o movimento optando pela neutralidade. Sob uma gestão petista, o cenário para o ativismo estaria diferente?
Não posso dizer como seria um governo Haddad, mas algumas coisas efetivamente não mudariam. Por exemplo, o estado financeiro do Brasil. Desde a Dilma [Rousseff], já estávamos com escassez de recursos públicos. Nesse sentido, parcerias e destinação de recursos para ONGs diminuiriam de qualquer forma.
Entretanto, é óbvio que faz muita diferença ter um governo, e seja ele de quem for, que diga que as organizações da sociedade civil têm seu papel e um que fala que ONGs são nocivas ao país e passa uma mensagem de que só o ativismo do outro lado é coisa de vagabundo, e o meu, não.
Como, na sua visão, esse caldo de ativismos, ódios e paixões que o país vive vai desembocar em 2022?
Eu não cometeria a sandice de fazer previsão de desfecho eleitoral, mas acho que a eleição vai ser pautada pelas causas que nos tocam neste momento de crise, como a questão da saúde gratuita como direito universal. Pautas que emergiram na pandemia, como o combate à fome e a busca de igualdade racial, vão impactar os temas discutidos.
Como contornar a evidência de que o poder econômico é determinante para uma causa ser bem-sucedida?
Éum fato: quem tem mais poder econômico consegue defender seus interesses com maior facilidade no Brasil. Algo que impacta muito isso no país é a não regulamentação do lobby, da defesa de interesses específicos, que não é algo ilegal.
Ao não regulamentar, os mais fortes e poderosos ficam sempre em vantagem. Mas não só organizações ricas conseguem ter sucesso, e dou o exemplo da Cufa [Central Única das Favelas].
A hipervalorização do papel da sociedade civil pode se confundir com defesa do neoliberalismo ou transferência de responsabilidades do Estado para o cidadão?
Essa é uma crítica que caberia algumas décadas atrás. Com a revolução digital, a sociedade e o tempo de resposta que esperamos mudaram. Antes, canais de atuação e pressão eram muito limitados, na mão de poucos. Hoje há uma estrutura mais distribuída.
Em uma sociedade como a brasileira, é impossível pensar que esse ente que chamamos de governo pode resolver tudo sozinho. As soluções só virão com todos à mesa. Não defendo Estado mínimo, acho uma bobagem. O Estado tem que ter o tamanho necessário para resolver os problemas. No Brasil, precisamos de um Estado grandinho, mas a sociedade precisa e deve ajudar.
Como vê o senso comum de que o brasileiro é passivo, apático?
Não acredito que haja uma cultura do imobilismo em relação às questões políticas. Sempre há uma parcela da população com ímpeto de se envolver mais, sair de casa, se mexer.
O que afeta a mobilização no Brasil é a falta de renda de uma enormidade de cidadãos que precisam cuidar de problemas muito mais básicos e urgentes. Fica difícil imaginar que um cara que está pensando se vai ter ou não o que comer fará uma passeata na [avenida] Paulista. Talvez não tenha nem dinheiro para ir até lá.
Apesar disso, vejo uma sociedade cada vez mais engajada, em níveis diferentes. Desde o ativista de sofá, que fica ali clicando e pelo menos está fazendo alguma coisa, até aquele que tem o ímpeto de criar um movimento, uma ONG.
Como o sr. se sentirá se as lições do seu livro forem usadas para impulsionar causas das quais discorda, como maior acesso a armas ou proibição do aborto mesmo em casos legais?
Já pensei bastante sobre isso [risos]. É uma preocupação, porque estou apresentando uma metodologia que pode ser usada para coisas que absolutamente estão muito distantes daquilo em que acredito.
Por outro lado, há o benefício de ter mais e mais pessoas usando esse material para lutar pelas causas certas. Mas é aquilo: quando você cria uma mobilização, nem sempre sabe exatamente onde ela vai parar. E por isso você vai deixar de fazer?
“Não adianta ser uma pessoa nova, mas com ideias e métodos arcaicos. Renovação é algo que independe de idade