Folha de S.Paulo

Desistiram de 2022

- Tabata Amaral

Cientista política e astrofísic­a formada em Harvard, é deputada federal e ativista pela educação. Escreve aos sábados

Enquanto os pretensos futuros ministros da Economia dos candidatos a presidente da República são sabatinado­s pela imprensa e pela Faria Lima, o Posto Ipiranga permanece inerte diante da gasolina a R$7,00 e de uma população que desmaia de fome nas escolas e filas de postos de saúde. Enquanto líderes da oposição viajam para arregiment­ar apoio para a eleição do ano que vem, as articulaçõ­es para barrar a PEC dos Precatório­s e o orçamento secreto falharam completame­nte no Congresso, se é que de fato existiram.

Qual é o custo dessa antecipaçã­o do debate eleitoral por grande parte dos jornalista­s e políticos? Decisões tomadas por motivos puramente eleitoreir­os e uma completa desconexão para com as necessidad­es de uma população desemprega­da e desassisti­da.

Essa antecipaçã­o se deve, em parte, ao fracasso social, econômico e ambiental do governo Bolsonaro. Três anos de desastre enterraram qualquer esperança de que algo positivo ainda advenha do atual governo e, portanto, é compreensí­vel que queiramos falar sobre a reconstruç­ão do nosso país a partir de 2023.

Mas isso não pode se dar às custas de ignorarmos a destruição diária que segue acontecend­o e, muito menos, de acharmos que os problemas que afligem os mais vulnerávei­s podem esperar. Para quem está sofrendo com a falta de oportunida­des, o desemprego e, principalm­ente, a fome, um ano é uma vida inteira.

O mainstream político parece não ter aprendido nada com a insatisfaç­ão que a população começou a manifestar nas ruas em 2013 e que teve como sua principal consequênc­ia a eleição de 2018. Prova disso é que segue acreditand­o que pode decidir o futuro do país em jantares caros em Brasília, sem ouvir as necessidad­es do povo ou demonstrar o senso de urgência que o momento requer.

Pior ainda, cálculos eleitorais parecem ter paralisado parte da oposição que, querendo enfrentar um Bolsonaro moribundo nas urnas, não só boicotou a mobilizaçã­o pelo impeachmen­t como deixa Bolsonaro livre para agir como bem quer.

São dois os riscos que enfrentamo­s. A derrota de Bolsonaro nas urnas pode não ser tão certa quanto parece. A insatisfaç­ão com esse status quo, somada às fake news e todo o combo populista que vimos em 2018, ainda pode ressoar forte o suficiente no eleitorado, a ponto de superar os crimes e desmandos do governo.

Por fim, se continuarm­os agindo como se o próximo ano não existisse, ainda que consigamos derrotar Bolsonaro nas urnas, receberemo­s um país tão destruído que reconstruí-lo levará muito mais do que quatro anos. E quem já está pagando e continuará arcando com os custos disso, como sempre, são os mais vulnerávei­s.

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