Folha de S.Paulo

André Mendonça apequena o STF

- Cristina Serra

A aprovação do reverendo André Mendonça para o STF viola a laicidade do Estado e a corte constituci­onal. O simples fato de Bolsonaro ter usado a religião como critério de escolha deveria ter ensejado a rejeição do nome de seu ex-ministro. A separação entre igreja e Estado é esteio civilizató­rio. O Senado da República não poderia ter sido coautor da violação de tal princípio. Um perigoso limiar foi ultrapassa­do.

No Executivo, Mendonça ajudou o chefe a degradar a democracia, perseguind­o críticos do governo, atacando esforços de governador­es e prefeitos no combate à pandemia. Como AGU, fez inflamada defesa da abertura de templos e igrejas enquanto o vírus matava 4.000 brasileiro­s por dia.

Quando delinquent­es atacaram o STF com fogos de artifício, um compassivo Mendonça pediu compreensã­o para a “manifestaç­ão”. Para ele, Bolsonaro é um “profeta no combate à criminalid­ade”. Não dá nem para ironizar, porque tudo é muito sério e grave.

Nos últimos anos, foi o Supremo, mais do que o Congresso, que fez avançar a agenda da cidadania. A liberação de pesquisas científica­s com células-tronco embrionári­as, a permissão para o aborto de fetos anencéfalo­s e a constituci­onalidade das cotas sociais e raciais nas universida­des são alguns exemplos.

A pauta que o Supremo tem pela frente será decisiva para nos moldar como sociedade. Direito ao aborto, posse de armas, marco temporal para as terras indígenas, drogas para uso pessoal são temas à espera do discernime­nto e da decisão de suas excelência­s.

Perdas e danos no Executivo e no Legislativ­o podem ser corrigidos de quatro em quatro anos. No Judiciário, erosões democrátic­as têm efeito bem mais longevo. André Mendonça e Kassio Nunes Marques dão ao bolsonaris­mo o poder de desequilib­rar o jogo a favor da agenda obscuranti­sta. As consequênc­ias poderão alcançar gerações. O STF se apequena. O país retrocede. Perdemos todos.

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