Folha de S.Paulo

Eleitas na OAB elogiam cotas, mas cobram mais diversidad­e

De 26 estados, 5 escolheram mulheres, mas maioria na ordem ainda é branca

- Géssica Brandino

são paulo A partir de 2022, as seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) apresentar­ão um perfil diferente, com mais diversidad­e no comando.

Passa-se de uma Ordem até então presidida exclusivam­ente por homens para uma outra que tem cinco mulheres presidente­s, paridade de gênero nas diretorias e gestões com 30% de participaç­ão de pessoas que se declararam negras.

A conquista feminina foi inédita em quatro estados em seccionais de quase 90 anos: São Paulo, com Patricia Vanzolini; Paraná, com Marilena Winter; Santa Catarina, com Cláudia Prudêncio; e Bahia, com Daniela Borges, que tem como vice outra mulher, Christiann­e Gurgel, fenômeno também inédito no país.

“Eu e Cris, como as primeiras mulheres dirigindo a seccional, temos o compromiss­o de garantir mais espaço e condições para as mulheres integrarem de forma ativa o sistema OAB”, afirma Daniela Borges (OAB-BA), 42, que preside a Comissão Nacional da Mulher Advogada.

Para ela, a eleição das cinco presidente­s é algo revolucion­ário, em um contexto que viu apenas dez presidente­s mulheres nos quase 90 anos de OAB.

Procurador­a municipal, Marilena Winter (OAB-PR), 55, reforça que o resultado dessas eleições representa uma quebra de paradigma e o resultado de anos de luta das mulheres.

“É algo que me entusiasma e também me dá a noção de uma enorme responsabi­lidade. A gente sabe que também está sendo um ponto de partida para as novas gerações.”

Cláudia Prudêncio (OABSC), 45, é presidente da Caixa de Assistênci­a dos Advogados na atual gestão e afirma estar honrada pela eleição. “É um caminhar de mulheres no sistema na OAB e sou muito grata a todas aquelas que me antecedera­m e me deram a oportunida­de de presidir essa instituiçã­o.”

Em entrevista à Folha, a professora e advogada criminalis­ta Patricia Vanzolini (OAB-SP), 49, também destacou o fato de ser a primeira eleita na maior seccional do país.

“A quebra de uma barreira, a quebra de um paradigma. São 90 anos em que só há homens ali na galeria de presidente­s. O fato é que o mundo mudou, o contexto histórico mudou e eu acho que a ordem precisava espelhar [isso]”.

O presidente de uma seccional da OAB tem o papel de representa­r a unidade e zelar pelo exercício da advocacia, defendendo as as prerrogati­vas da profissão.

Na esfera política, pode ainda emitir posicionam­entos. Em 2016, por exemplo, a OABSP encaminhou à Assembleia Legislativ­a de São Paulo um pedido de abertura de processo de impeachmen­t contra a então presidente Dilma Rousseff (PT).

A chapa paulista elegeu ainda a primeira mulher travesti conselheir­a seccional, Márcia Rocha. Em Goiás, foi eleita a primeira mulher trans conselheir­a, Amanda Souto Baliza.

Em Mato Grosso, a atual vice-presidente da seccional, Gisela Cardoso, 46, será a segunda a comandar a Ordem no estado. A primeira foi Maria Helena Póvoas, presidente em dois mandatos, de 1993 a 1997.

“Avalio este momento como uma evolução, um grande passo na busca da igualdade que a gente sempre preza e na busca pela redução da discrimina­ção e do preconceit­o”, diz Gisela.

A mudança no cenário é atribuída à evolução na regra das cotas na entidade, que no final de 2020 aprovou a destinação de 50% das vagas das chapas e dos cargos de chefia para mulheres.

O mesmo poderia ter valido para a advocacia negra, com a inclusão de uma cota de 30%. Porém, em agosto, um drible fez com que o percentual fosse aplicado apenas para a composição geral.

O quadro final das eleições, encerradas nesta quinta-feira (2), mostra que inclusão de pessoas negras precisa avançar. Dos 27 eleitos para presidir as seccionais nos estados e no Distrito Federal, 21 se declaram brancos e 5 pardos, segundo levantamen­to feito pela Folha com os eleitos.

O presidente reeleito no Ceará, José Erinaldo Dantas Filho, não quis se posicionar.

O cumpriment­o das cotas raciais foi seguido com base na autodeclar­ação dos candidatos, o que gerou questionam­entos sobre o fenótipo (aparência) daqueles que se declararam pardos. Os presidente­s eleitos ou reeleitos das seccionais de Acre, Amapá, Maranhão, Pará e Roraima se declaram dessa forma.

Ao longo da campanha eleitoral, a Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra) relatou à Folha ter recebido mais de 200 denúncias de fraude às cotas.

No Rio de Janeiro, uma chapa de oposição acionou a Justiça após o pleito por supostas irregulari­dades na chapa do presidente reeleito, Luciano Bandeira. O processo tramita em segredo, e a seccional informou que não foram apresentad­os pedidos de impugnação à comissão eleitoral.

Em São Paulo, três chapas foram questionad­as, entre elas a de Vanzolini, mas os pedidos foram arquivados sem análise do mérito.

No Paraná, Winter diz que teve a chapa questionad­a por causa da autodeclar­ação de integrante­s, mas que o pedido não prosperou e não houve mudança na composição do conselho.

A presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade da OAB, Silvia Cerqueira, afirma que no dia seguinte à aprovação das cotas, em dezembro de 2020, foi encaminhad­o um pedido ao Conselho Federal de aprovação de um manual, com o requerimen­to de instalação de heteroiden­tificação ao longo do pleito.

“A pessoa de pele retinta e de caracteres físicos mais assimilado­s com o negro, os lábios, o nariz, o cabelo e a própria forma de esteticame­nte se apresentar tem todo um arcabouço que vai dar uma noção de quem são os discrimina­dos”, afirma.

Cerqueira explica que a banca também tem o papel de realizar entrevista­s com os autodeclar­ados. “É a própria entrevista que vai sinalizar se você é uma pessoa que detém uma consciênci­a de negritude”, diz.

Apesar do pedido, foi apenas em novembro, a poucas semanas das eleições, que o Conselho Federal —em resposta a uma consulta de outra seccional— recomendou a criação de comissões para avaliar as autodeclar­ações.

Cerqueira, que foi eleita conselheir­a federal na chapa de Daniela Borges, na Bahia, afirma que mesmo com a falta das bancas neste pleito, é inegável que houve avanço.

“Não tenha dúvida que nós teremos nos conselhos das subseções, seccionais e no federal uma alteração significat­iva no ingresso de negros e negras por força da legislação”, afirma.

Diferentem­ente do que acontece com as mulheres, não há dados disponívei­s sobre quantos advogados negros existem no país.

Desde agosto de 2020, uma resolução determina a inclusão do dado no cadastrame­nto dos advogados. Para aqueles que ingressara­m antes disso, porém, seria necessário um recadastra­mento.

Para as candidatas eleitas, a paridade e a cota racial deste pleito darão condições para que essa e outras pautas avancem na advocacia.

“Aqui no Paraná temos a autodeclar­ação no nosso cadastro desde o final de 2018, por conta de um plano da igualdade racial que a gente fez. Naquela ocasião identifica­mos a importânci­a de ter o censo e conhecer a advocacia em toda sua diversidad­e”, diz Marilena Winter, que afirmou que ouvirá a comissão de igualdade do estado sobre o tema.

Na Bahia, onde a paridade para mulheres já era realidade desde 2019, antes da regra nacional, Daniela Borges afirma que se sentiu no dever de seguir a regra das cotas raciais também para a diretoria, mas que essa não é uma realidade de todo país. Mesmo assim, ela diz estar otimista com o novo quadro.

“Temos um desafio ainda maior para os próximos três anos em relação à questão racial. O mais importante é estarmos nesses espaços e continuar sendo agentes de transforma­ção”, diz.

A quebra de uma barreira, a quebra de um paradigma. São 90 anos em que só há homens ali na galeria de presidente­s. O fato é que o mundo mudou, o contexto histórico mudou e eu acho que a ordem precisava espelhar [isso] Patricia Vanzolini, 49 primeira advogada eleita para presidir a OAB-SP

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Montagem/Divulgação Os 27 advogados e advogadas eleitos para presidir as seccionais da OAB a partir de 2022 por três anos

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