Folha de S.Paulo

Advogado sobe o tom em júri da boate Kiss e é repreendid­o

- Fernanda Canofre

porto alegre “Doutor Jean, hoje não está legal, hein?”, disse o juiz Orlando Faccini Neto ao advogado Jean Severo, que defende um dos réus no julgamento pelas mortes ocorridas na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, depois de uma discussão durante o depoimento de uma testemunha na manhã desta sexta-feira (3).

O terceiro dia de julgamento na capital gaúcha teve tensão maior entre testemunha­s e advogados. O caso foi desaforado de Santa Maria a Porto Alegre depois que defesas dos réus questionar­am se a cidade onde ocorreu a tragédia, que deixou 242 mortos e outras 636 vítimas, poderia garantir um júri imparcial.

Quatro réus são acusados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual: os sócios-proprietár­ios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrante­s da banda Gurizada Fandanguei­ra, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Bonilha Leão (assistente de palco, que teria comprado o artefato pirotécnic­o utilizado).

Neste terceiro dia, a primeira testemunha ouvida foi Daniel Rodrigues da Silva, dono da loja onde foi comprado o artefato pirotécnic­o usado pela banda. Ele afirmou que seu funcionári­o relatou que Luciano optou por artefatos mais baratos e sabia que os produtos eram para uso externo —o Ministério Público exibiu trecho de uma reportagem da TV Globo em que o próprio funcionári­o afirmava o mesmo.

A defesa de Luciano teve alguns momentos de discussão com a testemunha, questionan­do se a loja já havia tido alguma situação com a Polícia Civil. Daniel perguntou no que aquilo era relevante e se era obrigado a responder à questão.

“Tu tem que responder, tu botou esse rapaz aqui. Ele colocou esse inocente aqui”, gritou o advogado Severo, que foi repreendid­o pelo juiz.

Em outro momento, quando se discutia sobre a loja vender unidades soltas dos artefatos, sem as embalagens com instruções, Severo voltou a aumentar o tom: “É ilegal vender assim. A loja é ilegal, tudo é ilegal, devia estar sentado aqui [com réus]”.

O juiz, então, ameaçou tirar o advogado da sala. “A próxima que o senhor me fizer, o senhor não vai ficar mais aqui. A bancada de defesa é muito grande. O senhor me respeite aqui”, disse.

Durante a discussão, como mostra um vídeo publicado pelo jornal Diário de Santa Maria, Flávio Silva, presidente da AVTSM (Associação de Vítimas da Tragédia de Santa Maria), que perdeu a filha Andrielle na tragédia, aproximou-se do local onde fica o júri, falando algo, e a sessão foi interrompi­da. Ele precisou de atendiment­o médico, outros familiares deixaram a sala.

“Isso que aconteceu, infelizmen­te, de o seu Flávio se manifestar, isso pode causar nulidade do júri. A plateia não pode se manifestar, isso não pode ocorrer, os jurados não podem ser influencia­dos de maneira alguma. Pode, sim, nós pedirmos que ocorra o júri sem a presença dos familiares”, disse a jornalista­s a advogada Tatiana Borsa, que representa Marcelo.

A segunda oitiva, com a testemunha Gianderson Machado da Silva, que trabalhava revisando extintores de incêndio e atendeu a Kiss, começou com intervençã­o da bancada de defesa de Mauro Hoffmann, pedindo para contradita­r a testemunha.

Os advogados de Mauro afirmaram que a filha da testemunha, uma jovem de 19 anos, havia publicado nas redes sociais, cerca de dez minutos antes, uma mensagem dizendo: “Meu pai é o próximo a depor no caso da Kiss, que ele fale tudo! Que esses donos da boate apodreçam na cadeia!!!”. A conta foi apagada.

Depois de Gianderson confirmar o nome da filha, o juiz decidiu ouvi-lo, mas como informante, não mais testemunha. Na prática, o informante não tem compromiss­o de dizer a verdade, por algo que questione a sua isenção.

Ele afirmou que as recargas na boate foram feitas no prazo e que não é comum que um extintor revisado tenha falhas. Ele viu ainda um vídeo do início do incêndio, no qual pessoas aparecem no palco tentando controlar o fogo, e disse que o extintor poderia ter retardado as chamas, mas dificilmen­te conseguiri­a apagá-las.

Outras duas pessoas serão ouvidas ainda nesta sexta, uma testemunha e uma vítima. Desde o primeiro dia, o júri ouviu três testemunha­s e cinco vítimas —elas não são considerad­as testemunha­s, tecnicamen­te, por não terem obrigação de dizer a verdade.

“A próxima que o senhor [advogado Jean Severo] me fizer, o senhor não vai ficar mais aqui. A bancada de defesa é muito grande. O senhor me respeite aqui Orlando Faccini Neto juiz

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