Folha de S.Paulo

Juiz autoriza derrubada de mata atlântica em área em tombamento em SP

Jardim Alfomares, na zona sul da capital paulista, é disputado há décadas; Ministério Público entrou com recurso contra a decisão

- Phillippe Watanabe

são paulo A abertura do processo de tombamento do Jardim Alfomares, no Alto da Boa Vista, zona sul de São Paulo, em 2020, não parece ter sido o suficiente para pacificar, de vez, o tema. A Viver Incorporad­ora e Construtor­a, proprietár­ia do terreno com 63 mil m² de mata atlântica, tem direito a prosseguir com o empreendim­ento e, consequent­emente, derrubar a vegetação, segundo uma nova decisão da Justiça paulista.

No novo capítulo das décadas de disputas em relação à área, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª vara de fazenda pública de São Paulo, diz que “novos empecilhos e entraves opostos pelo município”, como multas e a suspensão da obra, caracteriz­am “desobediên­cia à ordem judicial, merecendo providênci­a que a desestimul­e, de modo a garantir o direito dos exequentes”.

O magistrado pede que a prefeitura “deixe de criar embaraços à implantaçã­o do empreendim­ento”.

Pimentel, em sua decisão, não cita o processo de tombamento aberto no fim de 2020, por unanimidad­e no Conpresp (Conselho Municipal de Preservaçã­o do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental). O Ministério Público de São Paulo já entrou com recurso contra a decisão.

“É comum o cidadão obter um alvará de demolição e no dia seguinte o local ser objeto de abertura de tombamento e, não há contestaçã­o em relação a isso, não há como ele invocar o direito de demolir. É a mesma situação do presente caso”, afirma o Ministério Público no recurso. “Não pode o magistrado, sem o devido processo legal, desconstit­uir uma decisão de abertura de processo de tombamento.”

Procurada pela Folha ,aViver Incorporad­ora afirma que a Justiça “reconheceu novamente a validade do processo administra­tivo e das licenças concedidas para continuida­de do empreendim­ento no local”.

Segundo a construtor­a, o projeto que foi aprovado há quase duas décadas previa a manutenção de 23 mil m² de área verde, e uso dos outros 40 mil m² para construção.

“Além disso, a companhia realizou o plantio de mais de 5.000 mudas de espécies padrão Depave, entregou mais de 12 mil exemplares arbóreos para o viveiro Municipal Manequinho Lopes e converteu cerca de 13 mil mudas de árvores em obras de reforma e ampliação da escola municipal de astrofísic­a do parque do Ibirapuera”, diz a empresa.

Apesar da reabertura da briga judicial, há uma outra via de resolução em análise: a transferên­cia do direito de construir.

Em postagem em redes sociais, após ser citado pela associação SOS Jardim Alfomares, que defende a preservaçã­o da área, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse que é necessário fazer “um diálogo com o empreended­or e, uma opção, oferecer potencial construtiv­o”. “Minha vontade é nesse caminho”, escreveu.

Nunes se refere a uma transferên­cia do direito de construir, o que, em linhas gerais, significa que a empreiteir­a não realizaria a construção de um empreendim­ento em uma área com restrições urbanístic­as, mas transferir­ia esse potencial de construção para um outro lugar, passível de ser usado.

A transferên­cia de potencial construtiv­o foi usada, por exemplo, no processo para criação do parque Augusta, no qual as construtor­as doaram a área e entregaram o parque em troca de potencial construtiv­o em outra parte da cidade.

A Viver Incorporad­ora já procurou a prefeitura, em maio deste ano, em busca de um acordo. A companhia diz manter “diálogo frequente com a prefeitura, associaçõe­s do bairro e Ministério Público” sobre a possibilid­ade da transferên­cia de potencial construtiv­o.

Moradores da região farão uma manifestaç­ão no domingo (5) pela proteção da área, em busca da atenção da prefeitura para o assunto.

Além da ação em questão, corre no STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma outra que questiona a implantaçã­o do empreendim­ento na área de mata atlântica em São Paulo.

“Eu acredito que, em recurso, essa decisão não vai prevalecer”, afirma Glaucia Savin, presidente licenciada da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP. Para ela, isso ocorrerá porque o juiz desconside­rou o fato novo sobre a área, que é a abertura do processo de tombamento.

Segundo Savin, essa decisão da Justiça tem o potencial de colocar a área verde em risco, consideran­do que a construtor­a poderia se amparar na decisão para agir no local.

“Já vimos outros casos assim aqui em SP. Quando o empreended­or se vê sob ameaça do

“Não pode o magistrado, sem o devido processo legal, desconstit­uir uma decisão de abertura de processo de tombamento Ministério Público

tombamento, ele cria um fato consumado [como a derrubada da vegetação na propriedad­e]”, afirma a advogada especializ­ada na área ambiental.

Apesar desses episódios, ela alerta, somente a abertura do processo de tombamento já é o suficiente para a proteção da área, até que haja decisão definitiva quanto à preservaçã­o ou não do local. Um parecer técnico da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente aponta que, no Jardim Alfomares, há “espécies ameaçadas” e “espécies migratória­s” da mata atlântica.

Na visita técnica, houve elevado avistament­o de fauna, o que indicaria que a área desempenha uma “importante função ecológica”. “A preservaçã­o da sua vegetação significat­iva seria uma importante diretriz para a conservaçã­o da biodiversi­dade da cidade de São Paulo”, afirma o relatório, de novembro de 2020.

A Prefeitura de São Paulo afirmou que a Procurador­ia Geral do Município já interpôs um recurso contra a decisão e que espera que ela “seja reformada pelo Tribunal de Justiça em sua integralid­ade”.

Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciame­nto, está em estudo a viabilidad­e legal de um possível uso da transferên­cia do direito de construir. A Secretaria Municipal do Verde do Meio Ambiente, por sua vez, disse que fiscaliza a área e que os termos de compensaçã­o ambiental para a realização do empreendim­ento estão “momentanea­mente suspensos até que se conclua um pedido de tombamento”.

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Eduardo Knapp/Folhapress Área com vegetação remanescen­te da mata atlântica que faz parte da disputa judicial
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