Folha de S.Paulo

Sócrates cumpriu sua profecia ao morrer, há 10 anos, com o Corinthian­s campeão brasileiro

- Bruno Rodrigues

são paulo Jogadores perfilados no grande círculo, braços erguidos com o punho cerrado, arquibanca­das que reverencia­ram, nas faixas e nos cantos, um ídolo eterno.

Há exatamente uma década, no dia 4 de dezembro de 2011, o estádio do Pacaembu prestava a sua homenagem a Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, que morreu na madrugada daquele domingo aos 57 anos, em decorrênci­a de um choque séptico.

Foi o capítulo final de uma vida permeada por excessos, especialme­nte do álcool, mas vivida com a convicção de que sua felicidade estava diretament­e ligada a poder escolher o próprio caminho.

Tão convicto era Sócrates de suas ideias que até mesmo sua morte foi profetizad­a por ele, em um desfecho que, se não tivesse sido dito pelo próprio, pareceria roteiro de cinema.

“Eu quero morrer num domingo, num dia em que o Corinthian­s ganhe um título”, disse o Doutor certa vez.

Pois o pedido foi atendido naquele 4 de dezembro, quando o Corinthian­s, em um empate sem gols contra o Palmeiras, confirmou a conquista do título brasileiro de 2011.

Nesta sexta (3), o clube alvinegro lançou uma linha de camisetas que fazem alusão a Sócrates e ao período da “Democracia Corinthian­a”, movimento de atletas liderado pelo jogadornoi­níciodosan­os1980.

A lembrança de Sócrates, porém, extrapola o campo. Jogador engajado, tinha na política uma de suas grandes paixões. Tanto que se transformo­u em figura de relevo das Diretas Já, o movimento pela abertura política no fim do período da ditadura militar.

Apesar de sua atuação e do apoio de outras grandes personalid­ades, a emenda Dante de Oliveira, que exigia a eleição direta para presidente, não foi aprovada pelo Congresso.

Decepciona­do, Sócrates foi para a Itália, onde defendeu a Fiorentina (ITA). Longe do Brasil, sentiria saudades demais do país, dos amigos e de prazeres mundanos, como passar a tarde com pessoas queridas enquanto saboreava sua cerveja e ouvia um samba.

Aposentado dos gramados após experiênci­as curtas no Flamengo, no Santos e no clube que o revelou, o BotafogoSP, foi técnico com experiênci­as fugazes, comentaris­ta esportivo com amor indisfarçá­vel pelo Corinthian­s e jurado no Carnaval do Rio (por uma só edição, na qual estava bêbado demais para avaliar as escolas).

As diversas tentativas de dar sentido à vida pós-futebol só revelaram, para Sócrates, uma verdade óbvia: ele nunca seria tão feliz fazendo qualquer coisa como foi jogando futebol. Especialme­nte no início de carreira, em Ribeirão Preto, e com as camisas do Corinthian­s e da seleção brasileira, por quem abdicou momentanea­mente da bebida para estar em forma na Copa de 1982.

Talvez por isso, por buscar uma felicidade que já não sentia, desejou que o dia de sua morte fosse marcado por um título corintiano, isto é, para que não houvesse apenas um sentimento de tristeza no torcedor alvinegro, mas também a alegria e os festejos de milhões que puderam celebrar o Corinthian­s campeão. Se possível, acompanhad­os de uma cervejinha.

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