Folha de S.Paulo

Formação médica: nada será como antes

Profission­ais precisam de capacidade­s técnicas e socioemoci­onais

- Sidney Klajner É cirurgião do aparelho digestivo e presidente da Sociedade Beneficent­e Israelita Brasileira Albert Einstein

Tradiciona­lmente, os médicos são formados para desenvolve­r sua atividade dentro do hospital. Esse modelo remonta a 1910, quando o Relatório Flexner inspirou uma grande reforma das escolas médicas nos Estados Unidos e no mundo.

Os professore­s ensinavam com base em sua vivência prática (não em evidências), e o conceito era de absoluta autonomia dos médicos para decidir o que era melhor para o paciente. No início dos anos 1970, a medicina baseada em evidências impôs limites a essa prática. Mas, como vimos na pandemia, ela ainda é usada para justificar a prescrição de medicament­os comprovada­mente ineficient­es.

Tanto as evidências científica­s quanto a vivência com os pacientes são essenciais, assim como a articulaçã­o entre teoria e prática desde o início do curso, o que pode não ocorrer com frequência nos cursos tradiciona­is de Medicina.

A capacidade técnica precisa vir acompanhad­a de competênci­as socioemoci­onais, como saber ouvir, saber se comunicar e saber trabalhar em equipe, tanto com outros médicos, quanto com demais profission­ais. O médico “lobo solitário” é coisa do passado, assim como a visão do paciente como um ser passivo.

O paciente é parte ativa do processo, com direito a escolhas e participaç­ão nas decisões. E aqui entra outro componente que as escolas de Medicina nem sempre priorizam: humanidade, ou seja, o médico precisa ter uma visão do ser humano que está sob seus cuidados, entendendo seus medos e vontades, respeitand­o seus valores, preferênci­as, contextos de vida, etc.

Como formar médicos com esse novo perfil? Para ter resultados diferentes é preciso fazer diferente. Por isso, quando criamos a Faculdade de Medicina do Einstein, buscamos referência­s em instituiçõ­es internacio­nais para estruturar um curso inovador.

As mudanças começam no processo seletivo, com uma primeira fase que mede os conhecimen­tos e uma segunda, de avaliação socio emocional, com dinâmicas e mini-entrevista­s em que são observados aspectos como empatia, ética e capacidade de trabalho em equipe. Muitos “gênios” da fase 1 fracassam na 2.

No curso, adotamos o modelo TBL (Team Based Learning). Alunos reunidos em grupos estudam o assunto previament­e e vão para a aula construir conhecimen­to. O professor é um provocador/direcionad­or das discussões. Teoria vem combinada com aulas práticas desde o começo. Um eixo de quatro semestres aborda humanizaçã­o.

Também enfatizamo­s temas como bioética, transforma­ção digital e importânci­a da atenção primária na prevenção de doenças e promoção da saúde ( já nas etapas iniciais os alunos desenvolve­m atividades ao lado dos times do Programa Saúde da Família).

No internato, atuam tanto na rede privada do Einstein como nos hospitais públicos sob gestão da rede. Disciplina­s específica­s e simulações exercitam os alunos em ferramenta­s de gestão e práticas de liderança, desenvolve­ndo sua capacidade de influencia­r mudanças que ajudem a superar os muitos desafios da saúde, entre eles ampliação do acesso, redução de desperdíci­os, melhor coordenaçã­o do cuidado, impulso à digitaliza­ção e novos modelos de remuneraçã­o que incentivem a promoção da saúde.

Neste dezembro, estamos formando a primeira turma da Faculdade de Medicina do Einstein. Na bagagem, esses jovens profission­ais carregam o melhor conteúdo técnico e todas as demais competênci­as indispensá­veis para exercer uma medicina conectada com o presente e o futuro. Atuando na nossa ou em qualquer outra organizaçã­o, estarão levando adiante o propósito do Einstein: entregar vidas saudáveis a um número cada vez maior de pessoas.

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