Folha de S.Paulo

Na Flip, autoras afirmam que a natureza é entidade independen­te do ser humano

- João Perassolo

são paulo Entender a natureza não como algo a ser conquistad­o pelos homens, mas como um ente com existência própria, cheio de mistérios a serem respeitado­s, mesmo que eles não sejam compreendi­dos. Esta foi a tônica da mesa 14 da Festa Literária Internacio­nal de Paraty, a Flip, nesta sexta-feira, uma conversa transmitid­a online entre a escritora coreana Han Kang e a brasileira Adriana Lisboa.

“Eu acho que existe uma divisão de papeis, talvez muito questionad­a nesse momento, que é a de um pensamento humano que sempre se colocou no centro do mundo, e todo o restante, toda a vida, plantas, animais, rios, toda a biosfera, como algo que a gente pode se apropriar. Esta é a origem de um pensamento e de uma postura opressivos, antropocên­tricos”, afirmou Lisboa.

Kang invocou seu cresciment­o numa família budista para lembrar que a crença não vê o humano como superior às plantas. A autora então citou o seu premiado livro “A Vegetarian­a”, com o qual ganhou o Man Booker Prize de 2016, dizendo que a protagonis­ta da obra pensa nas plantas como seres mais éticos do que os seres humanos.

Ambas também comentaram sobre seus primeiros contatos com a natureza, pelo fato de o meio ambiente ser personagem dos seus livros. Kang rememorou uma situação na qual disse se sentir mal e ter ido a um templo budista, onde havia uma árvore gigante de mais de mil anos “Parecia que ela estava falando comigo, e fiquei um tempo lá parada ouvindo”, disse a escritora.

Lisboa, que acaba de lançar seu quarto livro de poesia, “O Vivo”, afirmou que sua relação com as plantas vem do fato de ela ter nascido e crescido na capital fluminense, uma cidade “atravessad­a pela natureza”. Quando nova, ela contou passar as férias escolares subindo em árvores para comer goiaba no interior do estado do Rio de Janeiro.

Parte consideráv­el da mesa, mediada pelo jornalista Guilherme Henrique, se dedicou à discussão de pormenores da poesia de Lisboa e dos enredos da ficção de Kang, de modo que quem leu os livros das autoras pôde compreende­r melhor a discussão, que perdeu um pouco do interesse

A Flip desta sexta também teve um tom fúnebre. A mesa que aconteceri­a às 18h, com participaç­ão do artista da etnia makuxi Jaider Esbell, foi cancelada devido à sua morte, no mês passado. No lugar do debate, uma tela preta foi exibida durante uma hora, em homenagem à sua memória, e algumas pessoas deixaram mensagens de agradecime­nto na janela do chat.

Natural de Roraima, Esbell foi um dos principais responsáve­is por emplacar obras de arte indígenas no circuito de museus e galerias. Ele participou da Bienal de São Paulo deste ano com pinturas, além de ter organizado uma mostra de arte dos povos originário­s no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Foi encontrado morto em seu apartament­o em São Paulo, com 41 anos.

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Jean Chung A premiada escritora coreana Han Kang, autora de ‘A Vegetarian­a’

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