Folha de S.Paulo

Coleção Folha destaca obra sobre a mentira, de Santo Agostinho

Filósofo do Império Romano se debruça sobre a Bíblia para demonstrar que nada lá justifica não dizer a verdade

- Irineu Franco Perpetuo

são paulo Numa época em que se fala muito em fake news, a Coleção Folha Os Pensadores publica uma veemente condenação do ato de mentir, por um dos mais importante­s filósofos e teólogos cristãos. “Da Mentira”, de Santo Agostinho, em tradução de Alessandro Jocelito Beccari, é o oitavo volume da coleção.

Aurélio Agostinho (354-430) nasceu na Numídia, província africana do Império Romano, na cidade de Tagaste —sobre cujas ruínas foi edificada a atual Souk Ahras, na Argélia.

Suas “Confissões”, em que ele conta sua trajetória pessoal antes de se converter ao cristianis­mo, costumam ser estudadas não apenas como obra filosófica e teológica, mas também literária —a obra é considerad­a pioneira em um gênero que se tornou popular até hoje, a autobiogra­fia. Outro livro célebre de Santo Agostinho é “A Cidade de Deus” —tido como a leitura preferida de Carlos Magno (742814), imperador dos francos.

No fim da vida, Santo Agostinho passou em revista seus escritos, em uma obra em dois volumes chamada “Retratamen­tos”. O último livro citado no final do primeiro tomo de “Retratamen­tos” é justamente “Da Mentira”.

Lidando com a natureza da mentira, ele se debruça sobre a Bíblia para demonstrar que nada lá justifica o ato de mentir, em hipótese alguma.

Ao definir a mentira, ele afirma que “é a partir da opinião de sua mente, e não das próprias coisas, que deve ser julgada a verdade ou a falsidade daquele que está mentindo ou não”. “A culpa do mentiroso é o desejo de mentir enunciado em sua própria alma”.

A partir daí, Santo Agostinho põe-se a classifica­r a mentira, identifica­ndo nada menos do que oito tipos. E enumera: “O pecado a ser mais evitado e do qual se deve fugir mais longe é aquele que se faz contra a doutrina da religião; ninguém dever ser conduzido a esse pecado, sob nenhuma condição”, escreve.

“O segundo é aquele em que alguém é prejudicad­o injustamen­te: ninguém tira vantagem disso e alguém é prejudicad­o. O terceiro é aquele em que alguém é beneficiad­o, de tal forma que outra pessoa é prejudicad­a, embora não se trate de imundícia corporal. O quarto é aquele em que se mente pelo prazer de enganar, que é a mentira pura e simples. O quinto tipo é o da mentira que se diz para agradar, com uma conversa aprazível”.

“Rejeitados e afastados inteiramen­te esses cinco tipos de mentira, segue-se um sexto, que não prejudica ninguém e beneficia alguém: um ladrão quer tirar injustamen­te o dinheiro de uma pessoa, sabemos onde está o valor, mas mentimos e dizemos que não o sabemos, não importando quem seja o interrogan­te.”

“O sétimo tipo é aquele que não prejudica ninguém e beneficia alguém, exceto se somos interrogad­os por um juiz: mente-se porque não se quer atraiçoar uma pessoa que está sendo procurada para ser morta, seja ela réu, seja ela justa ou inocente, porque a disciplina cristã ensina que não se desespere da correção, nem se feche a porta da penitência para ninguém.”

“O oitavo tipo de mentira é aquele que não prejudica ninguém e pode ser benéfico, pois protege da imundícia corporal.”

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Divugação Detalhe da aquarela de Cris Eich para a capa do livro de Santo Agostinho

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