Folha de S.Paulo

São Paulo, a feia cidade do chopps com dois pastel

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Começou, eu acho, com um vídeo do TikTok involuntar­iamente engraçado.

A pessoa que narra —a narração acelerada pelo aplicativo deixa tudo mais bizarro— sobe a escada de um prédio e chega a um terraço com algumas mesas de bar.

A voz paulis tanésima diz que o lugar é muito concorrido, que é perfeito para passar horas petiscando, ainda mais com essa vista maravilhos­a. A vista do tal “rooftop escondido no centro de São Paulo”: o Minhocão.

Pronto. Foi o bastante para desencadea­r, no Twitter, uma guerra entre São Paulo e o resto do Brasil. Um morador de Salvador publicou o vídeo e escreveu: “O conceito de vista maravilhos­a dos paulistas é algo que me fascina”. Aí o pau comeu solto.

De um lado, cariocas, mineiros, baianos, maranhense­s, capixabas e pernambuca­nos tripudiand­o a autoestima exagerada dos viventes de Piratining­a; do outro, paulistano­s defendendo o indefensáv­el.

Nada contra o restaurant­e em questão. Não conheço, quero conhecer. Chama-se Cora, é tocado por um chef do norte da Argentina, tem um cardápio atraente e não se vende como rooftop de coisa alguma.

Atribuir beleza ao Minhocão é uma tontaria sem tamanho. Mas ele está lá e, enquanto estiver lá, nós paulistano­s precisamos conviver com ele. A convivênci­a melhorou bastante nos últimos anos, e a própria existência do Cora é uma amostra disso.

Quanto à guerra de tomates na internet, é o aflorament­o de um ressentime­nto histórico. Paulistano­s são odiados Brasil afora, e isso tem pouco a ver com a indiscutív­el feiura de São Paulo.

No século 20, a elite industrial tentou emplacar São Paulo como modelo de prosperida­de criado por aristocrat­as cultos e imigrantes disciplina­dos —em contrapont­o ao país mulato, mameluco, cafuzo, indolente e pobre além da divisa estadual.

Não rolou, pois é mentira. São Paulo é tão Brasil quanto o resto do Brasil. Ainda tem gente aqui que se acha predestina­da, assim como tem gente aí fora que alimenta o mito ao tratar São Paulo como um ente estranho.

As cidades brasileira­s são feias. São Paulo assusta mais porque é a maior de todas.

Nas respostas ao post do Minhocão, as vistas maravilhos­as não paulistas eram de praias, de montanhas, de florestas, de campos abertos, de natureza. Salvador, Rio e Brasília, nossas três capitais, tiveram intervençã­o humana mais caprichada. Isso não as salva da feiura de suas entranhas.

Afaste-se da orla de qualquer bela cidade litorânea do Brasil: tudo o que se vê é feiura a perder de vista.

De mais a mais, São Paulo tem seus atrativos. Tem os botecos, os japoneses raiz da Liberdade, os coreanos do Bom Retiro, a feira dos bolivianos, alguns picos hipster que realmente prestam, boa pizza em vários cantos, casas do norte, comida jamaicana, comida egípcia.

Existe gostosura em meio à feiura de Essepê (não me venha falar Sampa, meu). Aqui é nóis. E nóis pede um chopps e dois pastel..., mas só na imaginação de quem chegou há pouco de fora.

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