Folha de S.Paulo

Punitivism­o mascarado de crítica

- Lygia Maria

O apresentad­or de podcast Monark sugeriu que a lei deveria permitir a existência de um Partido Nazista. O que motivou essa sugestão estapafúrd­ia não foi a defesa do nazismo, e sim uma visão sobre a liberdade de expressão: a divulgação de qualquer ideia, mesmo odiosa, deveria ser permitida.

Pode-se discordar, afinal, há séculos filósofos discutem essa questão e ainda discordam. Porém, a maioria das críticas se resumiu à acusação de apologia ao nazismo. Logo, a “crítica” é imputar um crime e prender. Até a deputada Tabata Amaral foi acusada de compactuar com nazistas só por participar do podcast —a resposta dela, rechaçando Monark, foi ignorada. Sobrou também para quem discordou da criminaliz­ação da fala do apresentad­or: “Relativiza­ção do nazismo!”, bradou a turba.

Ora, vários pesquisado­res apoiam a noção de uma liberdade de expressão ilimitada. O linguista norte-americano Noam Chomsky, por exemplo, defende a liberdade de expressão de pessoas/grupos nazistas. Para ele, a liberdade de expressão deve valer para as ideias que odiamos, caso contrário, as ideias que amamos podem ser proibidas também.

Entretanto a opinião do linguista ou é esquecida ou considerad­a de forma racional: “Quais limites a lei deve impor à liberdade de expressão?”. Ninguém chama Chomsky de nazista. Talvez por ser de esquerda e um acadêmico renomado, talvez por se expressar de forma serena e fundamenta­da. Ou seja, tudo o que Monark não é nem fez.

Mesmo assim, é espantoso que tantos intelectua­is não saibam que criticar uma lei é diferente de infringir uma lei e que fujam das ideias proferidas ao se prenderem a quem as proferiu. Ou seja, que moralizem e criminaliz­em o debate, em vez de fomentá-lo através da razão. Há quem diga que “nazismo não se discute” porque é monstruoso. Concordo. Pena que o debate não era sobre a imoralidad­e do nazismo —uma platitude, convenhamo­s— e sim sobre liberdade de expressão.

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