Folha de S.Paulo

Secretário rejeita recurso contra indicação de kit Covid no SUS

- Julia Chaib e Raquel Lopes

O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, rejeitou os recursos apresentad­os a favor da diretriz que contraindi­ca o kit Covid no SUS (Sistema Único de Saúde).

Entre os seis recursos negados estão o do médico e professor da USP (Universida­de de São Paulo) que coordenou o grupo de especialis­tas que elaborou a diretriz, Carlos Carvalho.

O recurso apresentad­o por Carvalho ao Ministério da Saúde afirmou que houve descaso do secretário ao rejeitar diretriz de tratamento da Covid-19 elaborada por especialis­tas.

O texto recusado era contrário ao uso de medicament­os do kit Covid, como a hidroxiclo­roquina, cloroquina e ivermectin­a. As diretrizes foram aprovadas pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporaç­ão de Tecnologia­s no SUS) em dezembro do ano passado. Foram 7 votos a 6.

Angotti rejeitou também as contestaçõ­es feitas por IATS (Instituto de Avaliação de Tecnologia­s em Saúde), Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e Repats (Rede Paulista de Avaliação de Tecnologia­s em Saúde).

O secretário, que é pró-cloroquina, rejeitou outras duas orientaçõe­s de tratamento hospitalar e outra sobre os cuidados ambulatori­ais de pacientes. O recurso apresentad­o para essas duas diretrizes também foi rejeitado.

Após a recusa de Angotti, o recurso agora vai para avaliação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ele tem dito que vai avaliar o pedido, mas sem antecipar a decisão.

“Na hora em que o recurso chegar para mim, o secretário tem prazo de cinco dias [para responder]. Se ele acatar, assunto encerrado. Se não, sobe ao ministro e o ministro vai julgar”, disse Queiroga a jornalista­s neste mês.

Ao assumir o Ministério da Saúde, em março de 2020, Queiroga anunciou que promoveria o debate na Conitec para encerrar a discussão sobre o uso do kit Covid. Ele indicou Carvalho, contrário aos fármacos ineficazes, para organizar grupo que iria elaborar os pareceres.

No dia 7 de dezembro, a Conitec rejeitou o uso do kit Covid para pacientes com suspeita ou diagnóstic­o de Covid-19 em tratamento ambulatori­al. Em discussão no colegiado estava a aprovação ou rejeição de um parecer contra o uso de remédios como cloroquina para pacientes leves.

Cabia ao Ministério da Saúde acatar ou não o texto. No dia 21 de janeiro, Angotti rejeitou o parecer.

Em uma das justificat­ivas, o secretário disse que, diante do inegociáve­l valor da vida e da importânci­a de se aproveitar cada oportunida­de de beneficiar o paciente acometido por Covid-19 ou qualquer outra doença, o princípio bioético da beneficênc­ia, amparado por evidências que demonstram impacto positivo, mesmo que ainda não sejam de nível máximo de qualidade, assume grande importânci­a.

“Se publicaçõe­s levadas a futuras consultas públicas ou audiências não se adequarem para publicação por razões metodológi­cas que limitam o escopo das diretrizes sob análise, serão úteis, com certeza, nas discussões posteriore­s que se fazem desde já necessária­s”, argumentou.

No dia 21 de dezembro, em entrevista no Ministério da Saúde, Angotti disse que a diretriz não conseguiu atingir o nível de rigor que é exigido.

Além disso, o secretário afirmou que é difícil dar apenas uma recomendaç­ão tendo em vista que o cenário da pandemia evolui rápido com o surgimento de novas pesquisas, medicament­os.

Reportagem da Folha do dia 4 de fevereiro mostrou que a nota técnica em defesa do chamado kit Covid citou uma pesquisa científica conduzida de forma irregular na avaliação da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).

O estudo está na mira do MPF (Ministério Público Federal) em razão do alto número de mortes registrada­s. A CPI da Covid pediu o indiciamen­to de um dos autores por crime contra a humanidade.

A nota trouxe ainda pesquisas de médicos aliados do governo Jair Bolsonaro (PL) na disseminaç­ão de remédios ineficazes contra a Covid. O documento defende a hidroxiclo­roquina e a ivermectin­a.

Como houve contestaçã­o, agora caberá ao ministro Marcelo Queiroga definir a posição da pasta.

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