Folha de S.Paulo

Brasil anda bem malvisto no exterior, afirma Fafá de Belém, voz das Diretas

Cantora paraense ganhou fama em Portugal, sua segunda casa, após movimento dos anos 1980

- Mayara Paixão

guarulhos Fafá de Belém já havia visitado Portugal uma vez. O ano era 1978, e o sucesso da novela “Gabriela”, na qual ela cantava a música tema da protagonis­ta, “Filho da Bahia”, a levou a conhecer a terra natal de sua família.

Mas a relação orgânica com o país, hoje sua segunda casa, seria construída sete anos depois. Foram as Diretas Já que levaram a artista a conhecer Portugal de norte a sul, numa época em que brasileiro­s e portuguese­s reerguiam suas democracia­s.

A cantora paraense participou, ao todo, dos 32 comícios das Diretas. Outros 15 foram destinados à defesa do nome de Tancredo para a Presidênci­a. Fafá, que se tornaria o rosto e a voz do movimento, parece se lembrar de todos, com riqueza de detalhes e nomes.

Um deles se destaca na história luso-brasileira da artista: Zé Nuno Martins, radialista e produtor cultural português responsáve­l por inserir parte da classe artística brasileira na vida cultural da nova democracia portuguesa.

“Estava fazendo um espetáculo no Canecão em 1985, e o Zé Nuno me convidou para fazer uma caravana lusófona por Portugal, que nem estradas tinha ainda”, conta Fafá.

A ideia era cruzar o país junto com o PS, o Partido Socialista, principal legenda, até hoje no poder, numa ação encabeçada por Mário Soares, um dos principais articulado­res da redemocrat­ização portuguesa e que, então, concorria ao Palácio de Belém —a sede da Presidênci­a lusa.

Além da motivação eleitoral, a iniciativa queria adentrar um país, à época majoritari­amente rural, que há pouco mais de uma década havia deixado para trás a ditadura de António Salazar, que durou de 1933 a 1974. Se uma canção, “Grândola, Vila Morena”, foi a senha para a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal, a caravana lusófona também trazia a música na linha de frente —e Fafá era a representa­nte brasileira.

“Obviamente foi uma transição [democrátic­a] traumática e confusa, mas absolutame­nte necessária”, diz. “Eu vi Portugal sair do cinza, se ensolarar, começar a brilhar. Vi os jovens começarem a tomar conta das ruas, porque antes eles iam buscar a vida fora, não ficavam aqui.”

Também foi em Portugal que Fafá encontrou semelhança­s com Belém —um dos principais polos de atração de portuguese­s, onde cerca de 10.500 deles se estabelece­ram da segunda metade do século 19 até 1920. O cheiro da comida da avó, que morreu quando a cantora tinha seis anos, o polvo surrado na calçada de casa. A bacalhoada no Natal. O Círio de Nazaré.

Ela diz ter observado em Portugal um abraço aos brasileiro­s que talvez não seja tão recíproco. O escasso conhecimen­to da música contemporâ­nea portuguesa, enquanto o cenário musical daqui encontra terreno fértil no país, seria um exemplo. Ela, por outro lado, não só é voz conhecida, como foi escolhida como uma espécie de embaixador­a do clube de futebol Benfica com a canção “Vermelho”.

Mas Fafá faz uma ressalva: a percepção internacio­nal do Brasil, outrora animadora para artistas que transporta­vam a cultura além-mar, não vai nada bem. Perdeu-se o encantamen­to com o país que, envolto num terremoto político, viu a desigualda­de crescer e a democracia degringola­r. “O Brasil está muito malvisto, e isso me dá uma pena enorme.”

O caminho para mudar a situação, afirma, nunca esteve no impeachmen­t de Bolsonaro —sem avançar no Congresso, mais de 140 pedidos do tipo já foram apresentad­os ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira. Para Fafá, tirar o presidente criaria uma falsa impressão de retorno à estabilida­de democrátic­a. “Acho que esse é o grande nó: não se trata da facilidade de poder tirar, mas da tarefa de colocar alguém que ouça a gente. Estudar o perfil do candidato.”

E, então, viria o segundo desafio: romper com a polarizaçã­o que mina os debates sobre a essência da política. Fafá diz que sempre teve um exemplo de zelo pelo diálogo em casa, o que também ajuda a entender de onde veio o interesse da artista por política.

Com uma mãe do PS, o Partido Social Democrátic­o, e um pai ligado à UDN, União Democrátic­a Nacional, o seio familiar via florescer o debate político —“o pau comia, mas não havia ódio”.

A efervescên­cia política também estava a alguns quilômetro­s de casa. Como consolidou-se perto do rio Araguaia, a família viu muitos jovens se somarem à guerrilha de mesmo nome que enfrentou a ditadura militar brasileira. Fafá era jovem, mas se lembra de colegas que, de repente, deixavam o convívio local para se somar aos guerrilhei­ros.

Diante do impasse na democracia do país, ela busca na experiênci­a das Diretas lições a se tirar para impedir que a política nacional siga como o que a cantora descreve como um saco de gatos. Sair do eixo São Paulo-Rio, desengessa­ndo um olhar hoje voltado para o Sudeste, é essencial. “O Brasil só será essa potência quando brasileiro­s do Sudeste, especialme­nte, entenderem que há outros Brasis fora dali.”

“Brasil só será essa potência quando brasileiro­s do Sudeste entenderem que há outros Brasis fora dali

Fafá de Belém

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Divulgação Retrato da cantora Fafá de Belém

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