Folha de S.Paulo

Juliette Binoche vive o amor livre em ode ambígua de Claire Denis

Já o veterano italiano Dario Argento alfinetou o Brasil: ‘Adoro, mesmo que às vezes tenha regimes insatisfat­órios’

- Bruno Ghetti

berlim A Berlinale recebeu o novo filme da francesa Claire Denis sem ter muita certeza sobre como reagir. Em “Avec Amour et Acharnemen­t” (com amor e tenacidade, em tradução livre), exibido na competição oficial, ela disseca a relação de um casal que entra em crise quando o ex da mulher reaparece, voltando a despertar nela sentimento­s intensos.

A abertura, com a qual a personagem se entrega a esse romance do passado, mas sem abandonar o marido, deixou o público sem saber se o filme defende o direito de a personagem amar livremente ou se a condena por estar rompendo um contrato com o parceiro.

As coisas nunca são simples no cinema da diretora francesa. Juliette Binoche interpreta Sara, uma radialista parisiense que vive há anos com Jean (Vincent Lindon). O filme começa com belas imagens da dupla em férias em uma praia, em momentos idílicos —além da atração, há entre eles um forte elo de amizade.

Quando voltam de viagem, a realidade de Jean parece pouco promissora —descobrimo­s que ele passou um tempo na prisão, o que lhe trouxe problemas profission­ais e financeiro­s. Quando François (Grégoire Colin), um antigo amigo de Jean e ex-namorado de Sara, o convida para trabalhar com ele, surge o impasse: vale a pena aceitar o emprego?

Quando Sara revê o ex depois de vários anos, fica tocada; ela nunca superou a separação. Mas é evidente que ela ama Jean —o filme não trabalha com noções como a de que “só há um amor verdadeiro para cada um”. O longa nos diz que é possível amar e desejar mais que um, ainda que sejam desejos distintos.

“Quando essa terceira pessoa volta a esse casal, pega os dois de surpresa: não era algo esperado. Então eles precisam enfrentar isso —juntos, mas também cada qual à sua maneira”, disse Binoche, em conversa com a imprensa.

Denis complement­ou: “A aventura do amor em um casal é mutável, nunca estável. Há sempre colisões. É algo que sempre pode acontecer”.

A cineasta diz que não entende convenções burguesas como “adultério” ou “traição”. A grande questão que ela parece ignorar, mesmo nos termos de seu filme, é que o real problema de uma traição conjugal nem sempre é a “caretice” ou moralismo, mas sim se tratar de uma quebra de confiança.

O filme tem grandes acertos, como a opção por filmar os atores em close bem próximos em instantes chave. Mas há deslizes —algumas subtramas são bem dispensáve­is.

Também na competição, há outro filme sobre um triângulo amoroso, embora em chave distinta. “Nana”, da indonésia Kamila Andini, mostra a opressão feminina em seu país na década de 1960. A personagem-título é uma mulher casada com um homem mais velho que sofre ao descobrir que ele tem uma amante. No entanto, as duas se unem em uma relação de cumplicida­de. Um bonito filme, delicado, que em geral teve boa acolhida.

Fora da competição, Berlim recebeu Dario Argento, aos 81 anos, que apresentou “Occhiali Neri”, seu primeiro longa em dez anos. O filme segue o mesmo estilo que o consagrou: um assassino em série apavora Roma. No caso, persegue garotas de programa, que mata com extrema crueldade.

A protagonis­ta é uma prostituta de luxo que fica cega após fugir do assassino. Com a ajuda de uma cachorra e de uma criança chinesa que testemunha seu acidente, ela tentará escapar do serial killer.

O filme é fluido, como os mais notórios de Argento, como “Suspiria”. Mas não traz nada de distinto do que o cineasta já fez. A vacuidade do filme é um bocado flagrante, apesar de garantir o entretenim­ento.

Na conversa com a imprensa, Argento relembrou sua ascendênci­a brasileira. “Minha mãe nasceu em Porto Alegre e morou um tempo no Rio e em São Paulo. Sempre foi uma das minhas inspiraçõe­s”, disse.

“Sempre vou vez ou outra ao Brasil. É um país que adoro. Mesmo que, vez ou outra, tenha regimes políticos nada satisfatór­ios”, alfinetou. Se em seu cinema, a política passa longe, ao menos na vida real, ao que parece, Argento está bem antenado ao que ocorre.

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Fotos Divulgação Os atores Vincent Lindon e Juliette Binoche em ‘Avec Amour et Acharnemen­t’

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