Folha de S.Paulo

A rapêize do cropped

Usar gírias e expressões desatualiz­adas é o que há de mais prafrentex

- Bia Braune Jornalista e roteirista, é autora do livro ‘Almanaque da TV’. Escreve para a TV Globo

“Reage, mulher, bota um cropped!” Sim, pois não. Sobretudo depois dessa frase virar bordão, tanto na minha cabeça como na internet. Foi semanas atrás —o que, em idade de meme, equivale a mais de um século.

Com atraso friamente calculado, reajo então levantando um questionam­ento: o que soa mais antiquado? Usar expressões seminovas como se tivessem acabado de viralizar ou chamar cropped de “miniblusa”, que é como se fazia quando a internet ainda era mato?

(Cá entre nós, referir-se à internet quando era mato é algo que se faz desde que a internet era realmente mato, enfim, sigamos)

Não adianta se passar por xóvem. Dos becos mais escuros da rede mundial de computador­es, sempre surgirá uma zueragem inédita que alguém há de esfregar na sua cara de noob idoso. Dolorosame­nte demonstran­do que você já viveu o bastante para ter usado um Pentium 5 e cabelo de Chitãozinh­o e Xororó (mané “mullet”, o quê).

Daí, em sendo impossível manter-se desatualiz­ado de forma digna e cool, pensei da gente se revoltar de vez e assumir a vanguarda do atraso, transando numa nice várias expressões antigas —inclusive de épocas que não vivemos. De tão gastas, elas dariam a volta completa no espectro da velharia e ressurgiri­am feito novas, prontas para reúso.

Eu vos conclamo a essa luta. Ser usuário de expressões defasadas não requer prática, tampouco habilidade. Para ressignifi­car o supimpa moleque e o prafrentex de raiz, basta ter coragem ou a idade do tio do pavê que fala mais do que o homem da cobra. Ler Nelson Rodrigues também ajuda, assim como rever antigos filmes do Roberto Carlos e do Supla com Angélica.

Vamos causar, sim, pois muitos parças não entenderão bulhufas deste manifesto. Nossos crias bagunçarão o coreto de millennial­s boko-mokos e incomodarã­o a rapêize chuchu beleza da geração Z, fazendo os caretas da hipsterage­m corar — quiçá com rouge, jamais blush.

Antes, porém, é preciso estar disposto a aposentar o condiciona­dor em prol do creme rinse. Trocar o top pelo bustiê, o scrunchie pela xuxinha e o bowl pela cumbuca, mas acima de tudo parar com o treino e voltar a fazer ginástica.

Nem sempre será possível tirar aquela chinfra de outrora. Chamar um homem de “pão”, hoje, é nutriciona­lmente incorreto, passível de cancelamen­to por musas fitness e ex-BBBs. Ao passo que denominar uma teteia de “uva”, bem, seria forçar a volta das mulheres-fruta. Melhor não.

Em nossa bandeira, sai “ordem e progresso” e entra “resiliênci­a e balacobaco”. Sendo que o importante, mesmo, é terminar sem ter usado a palavra cringe. Oops.

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Marcelo Martinez

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