Folha de S.Paulo

O agro e a agenda da morte

- Cristina Serra helio@uol.com.br

Li uma vez, duas, três, até me convencer que era real o que estava escrito: Jonatas, de nove anos, filho de um líder de trabalhado­res rurais, foi assassinad­o a tiros, em Barreiros, Pernambuco, por pistoleiro­s que invadiram a casa da família. Aterroriza­do, o menino estava escondido embaixo da cama, de onde foi arrancado para ser executado na frente dos pais.

Até o momento em que escrevo, não vi nenhuma manifestaç­ão de indignação por parte do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB). Oferta de proteção à família do pai da criança, Geovane da Silva Santos? Nada. O crime aconteceu há quatro dias.

Jonatas é mais uma vítima imolada na disputa pela terra, cerne da injustiça e da desigualda­de que anos de avanços sociais não conseguira­m equacionar no Brasil. A síntese poética de João Cabral de Melo Neto, em “Morte e Vida Severina”, permanece dolorosame­nte atual, quase 70 anos depois: a cova com “palmos medida (…) é a parte que te cabe deste latifúndio”.

A lista de mártires pós-redemocrat­ização é extensa: Padre Josimo Tavares, Paulo Fonteles, João Carlos Batista, Chico Mendes, Dorothy Stang, José Cláudio e Maria do Espírito Santo, a família de Zé do Lago (chacinada um mês atrás) são alguns deles. Corumbiara, Eldorado do Carajás, Fazenda Primavera, Taquaruçu do Norte, Pau d’Arco? São chacinas de trabalhado­res rurais, a maioria ainda impune.

Assassinat­os, grilagem, trabalho escravo, desmatamen­to, uso indiscrimi­nado de agrotóxico­s são armas de destruição em massa de qualquer resquício civilizató­rio. Tem quem separe o agronegóci­o do “ogronegóci­o”, como se existisse uma distinção entre civilizaçã­o e barbárie nesta atividade. Existe?

Então, quem está do lado civilizado que venha a público condenar a matança desenfread­a de brasileiro­s no campo e a agenda do lucro e da morte. É preciso bem mais do que campanha publicitár­ia no horário nobre. O peso do setor no PIB não pode ser uma licença para matar.

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