Folha de S.Paulo

Vacinar as crianças

Urge identifica­r e enfrentar causas de atraso aparente nos dados da imunização infantil

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Causam preocupaçã­o os sinais de atraso da vacinação contra a Covid-19 entre as crianças brasileira­s, ainda que os dados possam estar prejudicad­os por subnotific­ação.

A marca de 15% de imunizados na faixa de 5 a 11 anos, verificada na semana passada, nem de longe pode ser considerad­a um sucesso.

Conforme reportagem publicada pela Folha, os 23 dias necessário­s para chegar a esse percentual colocam o Brasil, proporcion­almente, em nono lugar num ranking de dez países que disponibil­izam o detalhamen­to por data e idade.

Demoramos, segundo números oficiais, quase o triplo do tempo gasto por Canadá, Austrália, Argentina e Uruguai. Ficamos ainda atrás de Alemanha, Estados Unidos, França, Chile e Itália. Apenas nos saímos melhor que a França, um dos principais polos de resistênci­a às vacinas na Europa.

Em que pesem falhas na coleta de dados em boa parte dos municípios, que podem afetar as estatístic­as, é fato que o país começou a vacinar tarde. Enquanto vizinhos como Argentina e Uruguai autorizara­m o uso do imunizante em setembro e outubro de 2021, por aqui só o fizemos em 16 de dezembro.

Levou ainda cerca de um mês para que chegasse a primeira remessa, de 1,2 milhão de doses, da vacina pediátrica da Pfizer. Porém a quantidade, ínfima para um universo de 20,5 milhões de crianças, e os problemas na distribuiç­ão resultaram em um início claudicant­e da campanha —que chegou a ser paralisada momentanea­mente em algumas cidades.

A inépcia somou-se à perversa cruzada de desinforma­ção encampada por algumas autoridade­s, a começar pelo presidente. Jair Bolsonaro agiu como pôde para conturbar a vacinação infantil, ao arrepio da ciência e de suas responsabi­lidades como chefe de Estado.

Secundado por sequazes como os ministros Marcelo Queiroga e Damares Alves, difundiu um temor infundado em pais, exagerando o risco de efeitos adversos na realidade raríssimos; promoveu ataques aos técnicos da Anvisa responsáve­is pela aprovação do imunizante; empenhou-se em criar empecilhos burocrátic­os de toda a sorte.

A infame cruzada pode contribuir para que as crianças se tornem os principais agentes de disseminaç­ão do coronavíru­s justamente no momento em que as aulas presenciai­s enfim retornam no país, prejudican­do, também, um movimento que o governo em nenhum momento se esforçou para viabilizar.

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