Tensão pela crise passa bem longe do cotidiano em Moscou
MOSCOU “Eu acho que aqueles ali são nossos”, afirmou Iuri, esmagando qualquer distanciamento social com a reportagem ao se reclinar junto à janelinha do Boeing-737/800 que sobrevoava o mar Negro.
“Aqueles”, no caso, eram uma concentração de pontos luminosos no escuro da noite não longe da costa da Ucrânia, segundo o mapa de navegação na telinha à frente.
Presumivelmente, eram navios de guerra russos preparados para uma semana de exercícios com tiro real naquela região. “Nossos”, russos, é claro, mas com um certo desdém por parte do viajante da rota Istambul-Moscou.
Para o observador que acompanha a região, memórias nada agradáveis com o incidente de 2014, quando um Boeing-777 da Malaysia Airlines foi derrubado por um míssil antiaéreo sobre as áreas conflituosas do leste ucraniano, eram inevitáveis.
Exagero? Talvez, mas pouco antes do embarque o celular trazia a notícia de que a Ucrânia pediu a empresas aéreas que desviassem daquele trecho pelo qual passaria o avião da Turkish Airlines.
Iuri até brincou, em inglês macarrônico: “Se um dos nossos atirar num avião cheio de russos, já deu para Putin um motivo para a guerra. É só dizer que foram os ucranianos”.
Humor discutível à parte, até hoje há debate sobre a responsabilidade do caso de 2014, amplamente atribuído a um operador inexperiente do sistema antiaéreo Buk emprestado pelos russos aos separatistas. Todos negam.
Isso dito, a reação de Iuri foi reproduzida em conversas esporádicas ao longo do dia com russos em Moscou, alguns ligados à área política e militar, outros não. A impressão geral, sem nenhuma precisão científica, é que o acompanhamento da crise é burocrático e filtrado pela mídia russa –as TVs são majoritariamente estatais.
Nos meios de comunicação locais, segundo os russos consultados, a narrativa é monocórdica: o Ocidente está atrás de uma desculpa para um conflito em torno da Ucrânia. Parece dar certo.
De acordo com uma pesquisa divulgada no ano passado pelo instituto Levada, um dos últimos realizadores independentes de sondagens do país, 48% dos russos acreditam que a culpa da crise na região é ocidental. No mais, não existe nenhum sinal visível de que a cidade é a capital de um país à beira de invadir outro, a crer nas palavras ditas dia após dia por autoridades em Washington.
As ruas centrais da capital russa estão mais vazias, cortesia do frio que anda em torno de zero grau e da pandemia, que tem afetado duramente o país com a nova onda da variante ômicron –insuficiente, entretanto, para fazer com que as máscaras sejam algo comum nas ruas, até por elas não serem obrigatórias em lugares abertos.
Nesta segunda-feira, a Rússia reportou um total de 180,4 mil novas infecções e 683 mortes. É, atualmente, o sexto país com mais casos diários registrados no mundo.
Mais objetiva e perceptível é a falta de turistas estrangeiros, resultado da combinação peste e frio. Na pista de patinação e no parque de diversões montados à frente do Kremlin, na praça Vermelha, famílias russas são maioria.
Pai de duas patinadoras iniciantes que se iniciam sobre o gelo por lá, Maxim Ivanov afirma que não tem medo de guerra. “Se acontecer, será algo localizado, longe daqui. Não acredito numa Terceira Guerra Mundial”, acredita.
Já o cientista político Konstantin Frolov, que orbita um campo em que a tensão é tema de conversas, não crê em invasão. Mas diz que o mundo está muito mais perigoso hoje do que nos estertores da Guerra Fria, nos anos 1970 e 1980 nos quais ele cresceu.
“Ali, sabíamos que os Estados Unidos podiam nos destruir. Mas nós podíamos fazer o mesmo. Agora é tudo mais difuso”, afirma, remetendo à doutrina MAD (“louco” em inglês, e também a sigla na língua para “destruição mutuamente assegurada”).
“Se acontecer, será algo localizado, longe daqui. Não acredito numa Terceira Guerra Mundial Maxim Ivanov morador de Moscou