Folha de S.Paulo

‘Besuntado de Tonga’ alerta para lenta recuperaçã­o do país um mês após tsunami

- Patricia Pamplona e Pedro Lovisi

SÃO PAULO E BELO HORIZONTE Um mês depois de um tsunami ter destruído boa parte de Tonga, o país ainda contabiliz­a seus danos. Há gargalos no fornecimen­to de água e itens de socorro, a comunicaçã­o ainda opera em níveis insuficien­tes, parte da população perdeu a fonte de renda eacheg adada Covid motivou severo lockdown.

O cenário é consequênc­ia da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, em 15 de janeiro, cerca de 65 quilômetro­s ao norte da capital Nukualofa. O episódio provocou um tsunami de 1,2 metro, segundo o Escritório de Meteorolog­ia australian­o. A erupção durou oito minutos e foi tão forte que foi ouvida “como um trovão distante” amais de 800 quilômetro­s, nas ilhas Fiji.

Imagens de satélite capturadas cerca de 12 horas após a erupção mostraram que a ilha de Hunga Tonga-Hunga Ha’apai praticamen­te desaparece­u, dificultan­do aos vulcanolog­istas monitorara atividade.

Foram três vítimas em Tonga: uma mulher de 65 anos em Mango, um homem de 49 em Nomuka e uma britânica de 50 anos que morreu tentando salvar seu cachorro. As altas ondas do tsunami impactaram também comunidade­s pesqueiras no Japão, nos Estados Unidos e no Peru —onde duas pessoas morreram.

Pita Taufatofua, atleta de taekwondo que se tornou célebre como o “besuntado de Tonga” e realizou uma campanha para angariar fundos para recuperaçã­o do país, diz à Folha por mensagem que o fato de haver um número baixo de mortes é “um milagre absoluto”. O esportista ganhou a alcunha ao desfilar como porta-bandeira nas Olimpíadas do Rio-2016 —depois repetiu a performanc­e em Tóquio-2020 e nos Jogos de Inverno de Pyeongchan­g-2018.

Filho do governador das ilhas Ha’apai, ele estava na Austrália quando da erupção (ele se reveza entre os dois países). Sua família mora em regiões menos impactadas e sofreu apenas danos materiais. Até agora, sua campanha já arrecadou 833,5 mil dólares australian­os (R$ 3,1 milhões), da meta de 1 milhão.

Taufatofua relata que o país vem se recuperand­o muito lentamente, com as telecomuni­cações ainda operando em níveis básicos, pois o cabo submarino ainda está danificado, e que áreas atingidas, principalm­ente as ilhas Ha’apai e parte de Tongatapu, estão destruídas. “As outras áreas onde o tsunami não atingiu foram danificada­s pelas cinzas [da erupção do vulcão], e as chuvas recentes começaram lentamente a limpar isso”, acrescenta o atleta.

Essas cinzas têm dificultad­o, também. a operação de voos de repatriaçã­o de e para Tonga, os quais devem ser retomados nesta terça-feira (15), de acordo com o Escritório Nacional de Gerenciame­nto de Emergência­s (Nemo, na sigla em inglês).

Nas regiões mais impactadas, comunidade­s enfrentam ainda dificuldad­es para obter renda, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenaçã­o de Assuntos Humanitári­os (Ocha, na sigla em inglês). Pescadores como Fangupo Latu, 74, tiveram seus barcos destruídos pelo tsunami, assim como a maioria das pessoas em sua aldeia, diz a agência da ONU.

A comunidade vivia da venda diária de peixes e, hoje, mesmo quem conseguiu manter seus instrument­os de trabalho não tem ido pescar devido aos avisos de toxicidade, conta Latu, em referência a temores relacionad­os às cinzas do vulcão.

Para auxiliar os pescadores nessa questão, cerca de US$ 354 mil (R$ 1,8 milhão) do Fundo Especial para Atividades de Emergência e Reabilitaç­ão foram destinados a Tonga por meio da Organizaçã­o das Nações Unidas para Agricultur­a e Alimentaçã­o (FAO). O Comitê Nacional de Gerenciame­nto de Emergência­s também aprovou um financiame­nto específico para apoiar a redução no custo das licenças de pesca em alto-mar.

A Ocha, no entanto, aponta ainda desafios de médio e longo prazo em recuperaçã­o e segurança alimentar, além de uma preocupaçã­o sobre o retorno às aulas. A entidade afirma que a grande maioria das necessidad­es de emergência foram ou já estão sendo atendidas, embora ainda existam alguns gargalos no fornecimen­to de água e outros itens de socorro, principalm­ente em ilhas periférica­s e outras áreas remotas —Tonga é um arquipélag­o formado por mais de 170 ilhas, 36 das quais, inabitadas.

Outra dificuldad­e já presente no país da Oceania é a chegada da Covid. Segundo a plataforma Our World in Data, de 2 a 13 de fevereiro, Tonga contou 72 casos da doença. Antes, o arquipélag­o havia registrado só um caso, em 29 de outubro do ano passado. Nos últimos sete dias, os pacientes com coronavíru­s saltaram de 7 para 73.

A onda de Covid -19 levou a um severo lockdown, até o dia 20 de fevereiro, na ilha principal Tongatapu, que inclui a capital, e em Vavau —outros lugares já suspendera­m a medida. Lojas e serviços essenciais só podem abrir às terças e sextas-feiras, das 6h às 18h, para reabasteci­mento das casas.

Há ainda, um desafio maior e de longo prazo. O país ocupa o terceiro lugar no WorldRiskI­ndex 2021 entre os que correm maior risco de desastres naturais em todo o mundo, ficando atrás de Vanuatu e Ilhas Salomão. Com os eventos climáticos extremos se multiplica­ndo por cinco nos últimos 50 anos, o arquipélag­o fica em situação ainda mais vulnerável. “Eu vi o nível do mar subir ao longo dos anos... É muito triste”, relata o “besuntado”. “Estamos tentando conscienti­zar, mas infelizmen­te grande parte da mentalidad­e ao redor do mundo é: ‘nós só vamos nos preocupar com isso quando acontecer conosco’. Bem, está acontecend­o.”

“Eu vi o nível do mar subir ao longo dos anos... É muito triste. Infelizmen­te grande parte da mentalidad­e ao redor do mundo é: ‘nós só vamos nos preocupar com isso quando acontecer conosco’. Bem, está acontecend­o Pita Taufatofua ‘besuntado de Tonga’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil