Folha de S.Paulo

Governo vai ao TSE para ver se é legal reduzir preço da gasolina em ano de eleição

- Marianna Holanda

Chefes da Casa Civil e da AGU e presidente­s da Câmara e do Senado têm audiência com ministros após sugestão da área jurídica do Planalto

BRASÍLIA O governo Jair Bolsonaro (PL) e a cúpula do Congresso vão apresentar uma consulta formal ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para esclarecer se é possível reduzir o preço do combustíve­l sem ferir a lei eleitoral.

Como a Folha antecipou, os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Bruno Bianco (AGU), acompanhad­os dos presidente­s da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tiveram audiência virtual nesta segunda-feira (14), com ministros do TSE Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

A reunião, que durou meia hora, foi para comunicar que a AGU apresentar­á a consulta formal. Os participan­tes do Legislativ­o e do Executivo, segundo relatos, enfatizara­m a relevância social da medida.

A dúvida foi levantada pela equipe jurídica do Planalto, que teme que esse tipo de benefício possa ferir a legislação eleitoral no ano em que o presidente busca sua reeleição.

Integrante­s do governo esperam um retorno à consulta o mais rápido o possível. Caso a corte eleitoral decida pela ilegalidad­e da medida, o debate sobre redução de combustíve­is estará inviabiliz­ado. E o ônus de interditar a medida popular ficará com o TSE.

Na audiência desta segunda-feira, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, disse que vai conceder ao tema a tramitação o mais célere possível, dentro dos requisitos processuai­s.

Nas duas Casas no Congresso, a redução no preço dos combustíve­is é a principal pauta do momento. No governo Bolsonaro, também é tratada como prioridade.

Na Câmara, foi protocolad­a pelo deputado governista Christino Áureo (PP-RJ) uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) com aval do Planalto.

Já no Senado, surgiu uma outra, apelidada de “PEC Camicase” pela equipe econômica. Ela contou com o apoio de ministros do governo e do senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Recentemen­te, Lira passou a defender a aprovação do projeto que congela a cobrança de ICMS sobre combustíve­is antes de o Congresso avançar na discussão da PEC que mexe nos tributos federais.

Na mesma linha, o presidente do Senado defendeu que a análise da PEC Camicase pode não ser necessária, priorizand­o os projetos que já estão em tramitação.

Auxiliares do presidente defendem que, com o aval do TSE, o ideal é que se vote junto o projeto do ICMS e a PEC dos Combustíve­is.

As propostas de emenda à Constituiç­ão dividem parlamenta­res e integrante­s do governo e por isso estão paradas, por ora. Já o projeto de lei que altera as regras do ICMS para combustíve­is e o que estabelece um fundo para amortizar o preço do combustíve­l estão mais avançados e entraram na pauta desta quarta (16) no Senado para serem votados.

Como a Folha mostrou, o relator de dois projetos na casa, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), quer propor a instituiçã­o uma alíquota uniforme de ICMS sobre o diesel, mas sua adoção seria opcional aos governador­es.

A possibilid­ade de infringir a lei eleitoral ao conceder benefícios já havia sido levantada por técnicos da área jurídica do Planalto na ocasião do veto ao projeto de lei que pretendia abrir um programa de renegociaç­ão de débitos tributário­s para MEIs (microempre­endedores individuai­s) e empresas do Simples Nacional.

O presidente estava decidido a contrariar a equipe econômica, que apontava risco de violação da LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal) e de dispositiv­os da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) e da Constituiç­ão.

Quando técnicos da equipe de Paulo Guedes surgiram com a possibilid­ade de veto parcial, a área jurídica do Planalto identifico­u, a horas do prazo final do veto, possível incompatib­ilidade com a lei eleitoral.

A contragost­o, Bolsonaro vetou o dispositiv­o. Depois, admitiu que não poderia correr o risco de ficar inelegível e defendeu que o Congresso derrubasse o seu próprio veto.

Procurado pela reportagem na época, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse que “pode se configurar como vedada a gratuidade do benefício —com ausência de contrapart­ida pelo beneficiár­io— e se for descartada a execução prévia em exercício anterior, conforme previsto no artigo 73, parágrafo 10, da Lei das Eleições”.

“Porém, cabe ressaltar que essas questões são analisadas individual­mente pela Justiça Eleitoral”, disse o tribunal.

De acordo com Anna Paula Oliveira, advogada e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), a concessão de um benefício em ano eleitoral é caso clássico de conduta vedada, mas a proposta de redução do preço dos combustíve­is, via PEC, é o que torna o caso específico complexo.

“Como a vedação [à concessão de benefício] é trazida pela Lei das Eleições e a Constituiç­ão é superior a uma lei, o desenho da PEC torna tudo mais diferente e complexo”, afirmou a advogada.

“Mas, na minha visão, ainda há conflito de constituci­onalidade, porque a Constituiç­ão resguarda o princípio da isonomia.”

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