Folha de S.Paulo

Prefeitura de São Paulo recicla ações em plano para sem-teto

Projeto prevê contrataçã­o de moradores de rua para serviços de zeladoria

- Mariana Zylberkan

SÃO PAULO O novo programa da Prefeitura de São Paulo voltado aos moradores de rua irá repetir uma série de ações extintas em mandatos de prefeitos anteriores.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) irá contratar mil sem-teto para serviços de zeladoria urbana, como varrição e manutenção de hortas e jardins, assim como ocorreu no extinto programa De Braços Abertos, iniciado na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

O novo programa também prevê a capacitaçã­o emocional para o trabalho, mesma proposta do Trabalho Novo, encerrado na gestão do exprefeito Bruno Covas (PSDB).

As contrataçõ­es irão fazer parte do programa Reencontro, anunciado pela prefeitura no fim de janeiro logo após a divulgação do censo da população de rua referente, que apontou aumento de 31% de sem-teto na capital paulista entre 2019 e 2021.

Além da prestação de serviços de zeladoria, os beneficiár­ios terão acesso a moradias transitóri­as. Eles poderão morar por até um ano em construçõe­s pré-fabricadas de até 18 m² a serem erguidas na região central de São Paulo, e também em imóveis destinados à locação social.

As vagas de trabalho também terão duração de 12 meses e a administra­ção não informou o valor que será pago por mês aos beneficiár­ios.

As contrataçõ­es beneficiár­ios do programa Reencontro serão feitas em parceria com outra iniciativa municipal, o POT (Programa Operação Trabalho), que concede bolsa auxílio a pessoas em situação de vulnerabil­idade em troca de serviços prestados à administra­ção desde 2004.

As bolsas auxílio do POT, por exemplo, variam de R$ 848,35 a R$ 1.272,60 para turnos diários de quatro ou de seis horas, respectiva­mente.

Criado em 2014, o programa De Braços Abertos atendeu, no primeiro ano, 453 pessoas que recebiam R$ 15 por dia para varrer as ruas do centro, além de terem acesso a três refeições diárias e vagas de pernoite em hotéis no entorno da cracolândi­a. Para participar era preciso que os atendidos aceitassem tratamento na rede municipal de saúde.

Duramente criticado por João Doria (PSDB) durante a campanha para a Prefeitura de São Paulo, em 2016, o De Braços Abertos foi extinto na gestão tucana e deu lugar ao Redenção, que tinha como principal viés a internação em clínicas psiquiátri­cas.

Atrelado ao Redenção, a gestão Doria lançou em 2017 o programa Trabalho Novo, que oferecia oficinas direcionad­as a aspectos emocionais dos sem-teto antes de encaminhá-los para as vagas de trabalho na iniciativa privada.

Diante da alta rotativida­de das internaçõe­s, o programa Redenção foi esvaziado pela administra­ção, que fechou os equipament­os de atendiment­o na região da cracolândi­a.

O Trabalho Novo foi suspenso em 2019 sem cumprir a meta de empregar 20 mil pessoas no primeiro ano, aproximada­mente, o total de moradores de rua em 2017. Foram 2.626 contrataçõ­es realizadas em dois anos, segundo a prefeitura.

A mesma preparação “profission­al e socioemoci­onal” dos sem-teto oferecida no Trabalho Novo é prevista no programa Reencontro, segundo minuta de edital para contratar a empresa responsáve­l que irá receber R$ 5,5 milhões para ministrar as oficinas.

Os beneficiár­ios terão que passar por oficinas para “elevar a empregabil­idade”, segundo critérios a serem definidos pela secretaria de Desenvolvi­mento Econômico, Trabalho e Turismo. “A elevação da empregabil­idade pressupõe a elevação de competênci­as técnicas e competênci­as socioemoci­onais, e aumento na rede de relacionam­entos e coesão de carreira”, diz o edital.

De acordo com o censo recém-divulgado, o perfil de sem-teto que mais cresceu durante a pandemia foram as famílias a que a prefeitura atribuiu ao “binômio pandemia de Covid 19 e agravament­o da crise econômica”.

Dos 31.884 moradores de rua, 28% afirmaram viver com ao menos um familiar, somando 8.927 pessoas. Em 2019, esse percentual era de 20%, alcançando 4.868. Ainda de acordo com o censo, houve aumento de 230% do número de barracas de camping e de barracos de madeira instalados em vias públicas como moradias improvisad­as. Em 2019, o censo encontrou 2.051 pontos desse tipo. Em 2021, foram localizado­s 6.778.

Segundo especialis­tas, moradias improvisad­as são normalment­e ocupadas por famílias ou pessoas que foram para as ruas recentemen­te.

Em nota, a gestão Nunes refutou as comparaçõe­s e afirmou que o Reencontro “é voltado ao atendiment­o da população em situação de rua, que está relacionad­a a diversas situações de risco e de vulnerabil­idade social que extrapolam o uso abusivo de álcool e outras drogas”.

Além de oferecer vagas de trabalho na zeladoria urbana, o Reencontro prevê a capacitaçã­o dos moradores de rua para conscienti­zar a população sobre o “manuseio correto de resíduos”, segundo a minuta de edital.

No documento, a prefeitura pontua que o aumento da população de rua criou a necessidad­e de “um novo olhar sobre a zeladoria, a destinação e o correto manuseio do lixo produzido seja pela doação de alimentos para este público, seja pela falta de conscienti­zação dos comerciant­es e munícipes”.

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Mathilde Missioneir­o - 5.jan.22/Folhapress Barracas usadas por pessoas em situação de rua na praça da Sé, em São Paulo

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