Mais de 90% do desmate em fazendas de soja é ilegal em MT
SÃO PAULO A maior parte do desmatamento em fazendas de soja em Mato Grosso foi ilegal, considerando o período de agosto de 2008 a julho de 2019, aponta análise do ICV (Instituto Centro de Vida).
Segundo o estudo, cerca de 92% do desmate nos imóveis destinados ao cultivo de soja não tinham autorização para a supressão vegetal. Valor semelhante foi encontrado para todo o desmatamento observado no estado no mesmo período. Para um desmate ser legal, ele deve ser comunicado e autorizado pelas autoridades ambientais.
Os pesquisadores apontam, porém, que a maior parte (mais de 50%) do desmate identificado se concentrou em somente 176 propriedades com soja que, em sua maioria, eram grandes fazendas com mais de 1.500 hectares.
Os pesquisadores usaram dados de desmatamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e dados públicos sobre imóveis rurais derivados do sistema mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural, do Incra e do CAR (Cadastro Ambiental Rural) nacional.
Os dados sobre autorizações para desmate foram obtidos na Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso. Informações do Ibama e novamente da secretaria foram usadas para observar áreas embargadas. Por fim, as áreas de plantio de soja foram obtidas pelo projeto Mapbiomas.
Ana Paula Valdiones, coordenadora do programa de transparência ambiental do ICV, afirma que isso mostra a importância de se ter mecanismos para separar os proprietários que seguem a lei dos que afetam a cadeia de produção com desmatamento.
O desmate nas fazendas com soja está concentrado em propriedades localizadas no bioma cerrado. Apesar disso, a maior parte de áreas embargadas identificadas pelo ICV estava em propriedades na Amazônia. Foram aplicados embargos (pelo Ibama ou pela secretaria estadual de meio ambiente) em 30% dos imóveis que produzem soja e tiveram desmates ilegais.
O Mato Grosso é o maior produtor de soja do país, com área ocupada, em 2020, de 10 milhões de hectares, segundo o ICV. Em 2021, a maioria absoluta da soja produzida no estado foi exportada —principalmente para a China, seguida pela União Europeia.
No cerrado, como mostram os dados de Mato Grosso, a soja ganha destaque. De agosto de 2020 a julho de 2021, o cerrado perdeu 8.531 km² de vegetação. Em comparação, na Amazônia o desmatamento foi de 13,2 mil km². O problema é que o cerrado tem cerca de metade do tamanho da maior floresta tropical do mundo, mas níveis de desmafazenda te tão elevados quanto.
Pode-se dizer que a Amazônia tem mais esferas de proteção. O código florestal de 2012, por exemplo, prevê uma área a ser preservada maior (80%) dentro de propriedades localizadas na floresta tropical. Já para o cerrado, as áreas que não podem ser derrubadas variam de 20% a 35% (caso seja dentro da Amazônia Legal).
A maior proteção à Amazônia se completa com a chamada Moratória da Soja (de 2006), a partir da qual ficou proibida a comercialização do produto que tivesse origem em áreas desmatadas.
Mas mesmo a moratória tem seus pontos fracos. Ela funciona no bloqueio somente de desmates ilegais que ocorreram na área em que a soja é plantada. Ou seja, se a que produz soja em área legal tiver desmatamento ilegal em alguma porção de terra, essa ilicitude não é considerada pela moratória.
Levando em conta somente 2019 e a Amazônia mato-grossense, 75 mil hectares foram destruídos ilegalmente em áreas usadas para plantio de soja. Outros 118 mil hectares foram derrubados ilegalmente dentro dos imóveis que produzem soja, mas fora da área de cultivo da planta.
Segundo pesquisadores do ICV, é preciso atualizar o mecanismo e passar a considerar todo o imóvel que produz soja.
O instituto aponta a falta de mecanismos de controle de desmate associado à soja no cerrado e aponta o Protocolo Verde dos Grãos, do Pará, como um possível exemplo que poderia servir de inspiração para ampliar a análise de irregularidades.
“O cerrado está descoberto por um acordo da cadeia de grãos que proteja e vise combater o desmatamento nesse bioma”, diz Valdiones.
Organizações do agronegócio e seus representantes costumam se colocar contrários à ideia de expandir práticas semelhantes à moratória para o cerrado.
Em 2020, a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) afirmava, em nota, ter recebido “com indignação” o comunicado de mais de uma centena de empresas europeias que exigiam zero desmatamento nas compras relacionadas ao cerrado.
Em 2019 e 2020, a Cargill, multinacional de produção e processamento de alimentos, também havia se posicionado de forma contrária a práticas de moratória no cerrado.
A reportagem procurou a Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) de Mato Grosso e questionou se os esforços para combate ao desmate no cerrado é inferior em relação ao destinado para a Amazônia.
“Todos os biomas são monitorados por satélite de alta resolução”, disse. “Os critérios para a fiscalização são as regiões que concentram maior parte do desmatamento ilegal, que tem sido historicamente a região do extremo norte de Mato Grosso [área do bioma amazônico].”
A Sema ainda afirmou que os dados apontados no estudo do ICV são “anteriores à atual gestão, e não refletem os avanços na fiscalização, monitoramento e autuação alcançados a partir de 2019”.
“Mato Grosso implantou em 2019 o sistema de monitoramento por satélites Planet, de alta resolução. Com a nova tecnologia e o investimento na repressão, prevenção e responsabilização, o estado aumentou em 550% o número de autuações a crimes ambientais em 2021 em comparação ao ano de 2019”, diz a secretaria, em nota.
O órgão ambiental também diz que o elevado número de autuações atinge desmates passados. A secretaria finaliza a nota afirmando que o avanço nas análises do CAR também ajuda no processo de responsabilização.
Apesar disso, segundo dados do Prodes, programa do Inpe, o desmatamento em Mato Grosso não parou de aumentar. Em 2019, foram 1.702 km², em 2020 foram 1.779 km² e no ano passado, 2.263 km².
A reportagem procurou o Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
“O cerrado está descoberto por um acordo da cadeia de grãos que proteja e vise combater o desmatamento nesse bioma Ana Paula Valdiones coordenadora do ICV