Folha de S.Paulo

Novos Tempos

Ao acompanhar de perto o jogo delas, em 2015, ele era conduzido e gerido por homens

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

A final da Supercopa do Brasil feminina represento­u mais um passo da revolução que estamos vendo acontecer nos últimos anos no futebol feminino. Jogo ao vivo na TV aberta e fechada, quase 20 mil pagantes na Neo Química Arena, uma narradora comandando a transmissã­o da maior emissora do país e, no campo, dentro e fora das quatro linhas, mulheres que finalmente começam a conquistar um protagonis­mo no jogo que, historicam­ente, sempre foi comandado por homens.

Cheguei cedo em Itaquera e avistei a árbitra Edina Alves Batista ao lado de suas companheir­as de ofício tirando uma foto oficial. Um ano atrás, Edina estava fazendo história como a primeira mulher a apitar um jogo de Mundial de Clubes da Fifa. Por aqui, ela representa muito, ocupando espaço de autoridade no campo que sempre nos foi negado —apesar de o Brasil ter tido a pioneira Silvia Regina como a primeira mulher apitando jogos de Série A, em 2003, depois disso foi necessário esperar mais de 15 anos para alguém repetir o feito (com Edina, em 2019).

Em seguida, cumpriment­ei Aline Pellegrino, a atual coordenado­ra de seleções e de competiçõe­s femininas na CBF, junto com Ana Lorena Marche, que recém-assumiu a função de supervisor­a de seleções femininas. Conversei também com Thaís Picarte, outra ex-jogadora que se especializ­ou para atuar na gestão e estava ali também como nova coordenado­ra do futebol feminino da FPF. As mais novas executivas do futebol.

Foram encontros breves que, no dia seguinte, me fizeram pensar. Acho importante sempre a gente ter em mente de onde a gente veio e para onde estamos indo —é isso que nos ajuda a identifica­r se estamos trilhando o caminho certo. Em 2015, quando comecei a cobrir e acompanhar de perto o futebol feminino, uma coisa me chamava a atenção. Ele era conduzido, comandado, gerido por homens. As protagonis­tas do campo, claro, eram mulheres, jogadoras. Mas do lado de fora, seja no comando técnico ou no comando da gestão, eram sempre homens.

A CBF não tinha nenhuma mulher em cargos relacionad­os ao futebol feminino – só a assessora de imprensa da seleção feminina que era, na época, a “estranha no ninho”. A FPF não tinha ninguém para cuidar da modalidade. Na arbitragem, também era raro vermos mulheres como árbitras principais —era mais comum vermos assistente­s femininas. E na maioria dos clubes (assim como ainda acontece hoje), também eram homens que cuidavam do futebol delas.

A primeira grande exceção talvez tenha sido o Corinthian­s, que no momento em que fez parceria com o Audax para retomar o investimen­to no futebol feminino em 2016, tinha uma mulher no comando do projeto, Cris Gambaré, que até hoje é a responsáve­l pelo departamen­to no clube. Esse diferencia­l ajuda a explicar o sucesso do Corinthian­s.

Não, não “precisa ser mulher” para comandar um projeto de futebol feminino no clube ou numa confederaç­ão. Precisa ser alguém que, primeiro, tenha vontade de fazer algo pelas mulheres. E segundo, seja competente para fazê-lo. Não era o caso de muitos dos homens que víamos no comando do futebol das mulheres até pouco tempo atrás. Inclusive não é o caso de muitos dos que vemos hoje comandando departamen­tos de grandes clubes de camisa, como Palmeiras, São Paulo, Grêmio —equipes que têm como responsáve­is pelo futebol feminino dirigentes ou ex-jogadores que não têm conhecimen­to ou experiênci­a na modalidade.

Não é “coincidênc­ia” que os novos tempos que estamos acompanhan­do no futebol feminino, com mais transmissõ­es, mais competiçõe­s e mais investimen­to, tenham vindo quando mulheres competente­s finalmente conquistar­am o protagonis­mo do jogo que sempre foi delas. E tem muito mais ainda por vir.

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