Folha de S.Paulo

Ou a morte ou o livro — O testamento literário de Marguerite Duras

- Tati Bernardi folha.com/ecoisafina

Marguerite fala que a literatura é a única que jamais a abandonou e faz uma ode poética e em tom de despedida acerca da solidão: “A solidão da escrita é uma solidão sem a qual a escrita não acontece, ou então se esfarela, exangue, de tanto buscar o que mais escrever. Perde o sangue, não é mais reconhecid­a pelo autor”.

★★★★

Marguerite Duras Relicário

R$ 55,90 (144 págs.)

Em junho de 2021, tomei conhecimen­to por este jornal, na coluna Painel das Letras, que a editora mineira Relicário lançaria dez obras da autora francesa Marguerite Duras. Fiquei animadíssi­ma, uma vez que não é fácil encontrar traduzido o vasto material da romancista: mais de 50 livros, roteiros premiados de cinema (por exemplo: “Hiroshima, Meu Amor”), peças de teatro e ensaios.

Somente agora li “Escrever”, coletânea com cinco textos originalme­nte lançada em 1993, cerca de dois anos antes da morte da escritora, e considerad­a, sobretudo por seu texto de abertura, e que dá nome à obra, uma espécie de testamento literário de Duras.

Os curtos ensaios “A morte do jovem aviador inglês”, “Roma”, “O Número Puro” e “A Exposição da Pintura” são carregados de dor, inquietaçã­o e beleza, mas passaram longe de me emocionar tanto quanto “Escrever”, leitura obrigatóri­a sobretudo para quem, em qualquer momento da vida, decide redigir algum parágrafo com coragem. É bem bonita e até divertida a passagem em que Duras sugerequee­scritoresl­impinhos ou com medo do que têm a dizer não são os melhores.

Marguerite está em sua casa, em Neauphle-le-Cháteau e decide debater o ofício da escrita com o cineasta e amigo Benoit Jacquot. Para ela, escrever é como “encontrar-se diante de um buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita vai te salvar”. E, no caso de Duras, salvou mesmo: a autora garante que sem a rotina compulsiva dedicada à literatura, teria se tornado dependente de álcool.

O que lemos é o registro de um magnífico, honesto e visceral texto falado, o que me lembrou um pouco a leitura dos seminários do médico e psicanalis­ta Jacques Lacan. Não à toa, Lacan é citado bem no comecinho da fala de Marguerite: “Ela não deve saber que escreve aquilo que escreve. Porque ia se perder. E isso seria uma catástrofe”.

Ao longo das 40 páginas de seu testemunho, Marguerite declara que a literatura é a única que jamais a abandonou e faz uma ode poética, e em tom de despedida, à solidão: “A solidão da escrita é uma solidão sem a qual a escrita não acontece, ou então se esfarela, exangue, de tanto buscar o que mais escrever. Perde o sangue, não é mais reconhecid­a pelo autor”. É também a solidão, nas palavras da romancista, que vem avisar “ou a morte, ou o livro”.

Para terminar, só mais duas frases desse livro que já se tornou uma espécie de religião para mim (volto às frases que grifei o tempo todo): “é preciso ser mais forte que si mesmo para abordar a escrita, é preciso ser mais forte que aquilo que se escreve” e, ainda, ser escritor é “um preço a se pagar por ter ousado sair e gritar”.

 ?? Sebastião Salgado - 8.out.2017 ?? SEBASTIÃO SALGADO NA AMAZÔNIA
Imagens do jornalista Leão Serva mostram os bastidores da expedição do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado à Amazônia. Serva registrou momentos exatos em que Salgado fez as fotos, como na imagm dos líderes Visa e Takvan do vale do Javari (AM). As imagens de Salgado serão exibidas em exposição que abre hoje (15) no Sesc Pompeia e se encerra 10 de julho. As imagens dos bastidores fazem parte da exposição ‘Amazônia: o processo de criação de Sebastião Salgado’, com imagens e curadoria de Lélia Wanick Salgado, esposa do fotógrafo, que vai do dia 8 de março até 8 de maio no Itaú Cultural.
Sebastião Salgado - 8.out.2017 SEBASTIÃO SALGADO NA AMAZÔNIA Imagens do jornalista Leão Serva mostram os bastidores da expedição do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado à Amazônia. Serva registrou momentos exatos em que Salgado fez as fotos, como na imagm dos líderes Visa e Takvan do vale do Javari (AM). As imagens de Salgado serão exibidas em exposição que abre hoje (15) no Sesc Pompeia e se encerra 10 de julho. As imagens dos bastidores fazem parte da exposição ‘Amazônia: o processo de criação de Sebastião Salgado’, com imagens e curadoria de Lélia Wanick Salgado, esposa do fotógrafo, que vai do dia 8 de março até 8 de maio no Itaú Cultural.
 ?? Leão Serva - 8.out.2017/Folhapress ??
Leão Serva - 8.out.2017/Folhapress
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