Folha de S.Paulo

Eddie Vedder lança o belo ‘Earthling’, criando pérolas sem o Pearl Jam

Com participaç­ões de Ringo Starr e Elton John, melhor cantor de rock de sua geração segue cheio de ousadia

- Thales de Menezes

Earthling ★★★★★

Artista: Eddie Vedder. Gravadora: Republic Records. Disponível nas plataforma­s digitais

O novo álbum solo de Eddie Vedder é muito melhor do que qualquer coisa que o Pearl Jam fez desde... Sei lá, faz um tempão. Enquanto a banda parece estar meio encalhada num rock básico e setentão, colada no som de ídolos como Neil Young e John Fogerty, o vocalista revela muita inquietaçã­o longe dos colegas.

“Earthling” é um menu degustação do que Vedder fez de melhor com o Pearl Jam. Tem rock rápido, às vezes quase punk, tem aquele pé no country e no folk, tem as baladas de levada épica, perfeitas para o vozeirão do cantor.

Diferente do apenas simpático álbum que gravou tocando ukulele, “Ukulele Songs”, de 2011, e da monótona trilha sonora para o filme “Na Natureza Selvagem”, de 2007, dessa vez Vedder parece disposto a se divertir com sua enorme e variada sacola de influência­s roqueiras. Ele tem, afinal, uma exuberante coleção de singles de vinil, coisa de um verdadeiro garimpeiro de música.

“Power of Right” e “Try” são os pontos altos de um disco que chega perto do impecável. A primeira traz poderosos riffs de guitarra, que devem incendiar plateias na turnê do álbum. Por todo o disco, dois guitarrist­as exímios proporcion­am essa festa de rock — Andrew Watt, também produtor do disco, e Josh Klinghoffe­r, ex-Red Hot Chili Peppers.

“Try” é outra pérola de rock nervoso, apresentan­do na abertura da faixa um delicioso solo de gaita de Stevie Wonder, um luxo reservado a poucos amigos do mestre. Num pandemônio pesado, a participaç­ão de Olivia Vedder, filha do cantor. Harper, mais uma de sua prole, colabora na baladona “Long Way”.

Ajuda na harmonia dentro do estúdio ter Klinghoffe­r na guitarra e Chad Smith na bateria, resgatando tempos no Red Hot Chili Peppers. Em termos de baterista, “Earthling” talvez seja o álbum mais interessan­te dos últimos anos. Além de Smith, com o batuque criativo que exibe no Peppers, o disco tem duas participaç­ões especiais nas baquetas.

“Mr. Mills”, empolgante pop rock, não tem jeitão de canção dos Beatles à toa. Um tal de Ringo Starr estava no estúdio atrás dos pratos e dos tambores. Em “Picture”, na qual Vedder fica entre o country e o folk, quem senta à bateria é Abe Laboriel Jr., poderosa usina sonora na banda fixa de Paul McCartney. E essa mesma faixa conta ainda com o vocal de Elton John, ampliando a lista de estrelas.

Nas letras, Vedder continua flertando com versos delirantes. São mais propostas de estranheza que narrativas correntes. Algumas letras parecem saídas de livros beatnik ou de visões intrigante­s, típicas da poesia de Jim Morrison.

Inseridas na categoria de baladas com muito peso, a já citada “Long Way” e a envolvente “The Haves” fornecem a Vedder o espaço para performanc­es vocais que comprovam que ele é o melhor cantor de rock de sua geração. Como brinca Robert Plant, lenda viva do Led Zeppelin, Vedder canta covers de clássicos para humilhar os velhinhos com fama de grandes vocalistas.

O americano Vedder sempre deixou clara sua paixão por estilos caracterís­ticos de seu país, como o country rock, o som das bandas sulistas, a força de bandas de garagem california­nas e a inovação de grupos de Nova York nos anos 1970.

Menos conhecida dos fãs é a adoração do cantor pelo punk rock inglês “de raiz”. Ele tem um acervo imenso de gravações de Sex Pistols, Sham 69, Tom Robinson Band, Stranglers e Buzzcocks. Em turnês, o Pearl Jam já apresentou versões matadoras do Public Image, grupo do vocalista dos Sex Pistols, John Lydon.

E Vedder canaliza essa influência na melhor faixa do álbum. “Good and Evil” é uma paulada sonora, cantada com fúria. Não deve repercutir muito, por ser menos palatável que o resto do repertório do álbum, mas já está na galeria dos melhores rocks acelerados recentes.

Esse excelente “Earthling” não pode ser classifica­do como um modo de Vedder resgatar o que já fez de mais impactante com o Pearl Jam. Essa pode ser a impressão inicial, mas será fácil perceber que é uma amostra de avanços musicais, de ousadia. Se isso não cabe mais na banda, Eddie Vedder vai desbravar novas terras sozinho.

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Reprodução Eddie Vedder em detalhe da capa do seu álbum mais recente, ‘Earthling’

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