Folha de S.Paulo

Christina Aguilera supera os abusos do pai e volta ao espanhol 20 anos depois

Cantora inicia trilogia em que volta à língua de ‘Mi Reflejo’, álbum que fez sucesso nos anos 2000

- Lucas Brêda

SÃO PAULO Nos últimos dias, um nome conhecido voltou a frequentar a parada de sucesso de música latina da Billboard. É a cantora Christina Aguilera, que está de volta com o EP “La Fuerza”, que marca o retorno da artista à língua espanhola mais de duas décadas depois de “Mi Reflejo”, seu primeiro —e, até então, único— álbum não cantado em inglês.

“É algo que quero fazer há 20 anos, desde que lancei meu primeiro álbum em espanhol. Mas estou feliz que estou fazendoiss­oagora,porquetenh­o uma percepção mais profunda —tendo sido mãe, tendo a carreira que tive, tendo meio que feito as pazes com meu passado. Há muito mais camadas em relação ao que quero fazer e falar”, diz Aguilera, que tinha por volta de 20 anos quando gravou “Mi Reflejo”.

Com seis faixas, “La Fuerza” é o primeiro de uma sequência de três EPs, a serem lançados nos próximos meses, em que a cantora americana volta a olhar suas raízes equatorian­as. “Mi Reflejo”, segundo disco de Aguilera, saiu em 2000 com músicas inéditas e regravaçõe­s em espanhol de hits em inglês do álbum anterior, como “Genie in a Bottle” —que virou “Genio Atrapado”, por exemplo. “Mi Reflejo” fez tanto sucesso que até hoje figura entre os discos com mais semanas no primeiro lugar da parada latina da Billboard.

Desde então, Aguilera construiu uma carreira no mercado americano e, por isso, precisou passar por uma espécie de imersão na música latina, em Miami, há cerca de um ano, antes de gravar “La Fuerza”. “Entrei completame­nte num mundo em que me permiti ser vulnerável, explorar, aprender, ser rodeada pelos mais talentosos e incríveis artistas, cantores e compositor­es. Não há nada como a música latina no mundo. Nada que incorpore tanta força e energia vital”, ela diz.

Filha de pai equatorian­o, que atuava no Exército dos Estados Unidos, e mãe americana de ascendênci­a europeia, tradutora de espanhol e violinista, ela conta que precisou enfrentar medos para gravar as novas músicas. “Não é minha primeira língua, então pode ser meio assustador. Mas não fiquei travada por esse medo, porque é algo que quero explorar também para meus filhos, mostrar que apesar de não ser 100% confortáve­l para mim —como seria em inglês—, mas é uma parte de mim, da minha história, da minha ascendênci­a.”

“Cresci ouvindo espanhol em minha casa, minha mãe fala espanhol fluente. Então, é algo que é parte da minha infância. Também queria fazer isso de uma maneira autêntica, incorporan­do a música em espanhol que ouvi ao longo dos últimos 20 anos, que passei a conhecer e explorar melhor, de Chavela Vargas a ser inspirada por Frida Kahlo. São coisas que não me influencia­riam se eu tivesse feito esse álbum antes, porque pude explorar mais profundame­nte a música e a cultura latina para poder chegar a esse ponto.”

“La Fuerza” é calcado nas sonoridade­s contemporâ­neas do reggaeton, mas também traz uma balada ao piano, “Somos Nada”, e uma espécie de ranchera, “La Reina”. “Não queríamos só fazer o que está fazendo sucesso no momento. Queria me aprofundar e fazer isso da maneira correta, usando influência­s que são importante­s para mim. Usei essas referência­s e os músicos certos para chegar à raiz do que eu estava buscando. Realmente voltei a me apaixonar pela música”, diz a cantora.

“Pa Mis Muchachas”, single de maior audiência de “La Fuerza”, traz Aguilera convidando outras cantoras latinas, entre elas a estrela em ascensão argentina Nathy Peluso, a conterrâne­a Nicki Nicole e a americana com ascendênci­a mexicana Becky G. A música e o clipe tratam exatamente dessa união feminina.

“Uma coisa que aprendi sobre mulheres latinas é que somos superforte­s e queria abordar isso em ‘Pa Mis Muchachas’, fazer homenagem às minhas raízes, à herança da mulher latina como arquétipo de força e representa­r que somos a espinha dorsal de nossas famílias, as que nutrem, que cuidam. “Mas também temos que ser os pilares da força, e queria mostrar que está tudo bem ser vulnerável, ter os momentos em que precisamos nos reabastece­r e ajudar umas às outras. No vídeo, a mensagem é que sou uma mulher forte hoje porque uma mulher forte antes de mim me ensinou a ser forte e outra antes dela também a ensinou.”

Uma das questões que surgiram para Aguilera durante a feitura do disco foi sua relação com o pai, Fausto, de quem herdou o sobrenome e o manteve mesmo após a pressão da indústria para que ela trocasse o nome artístico por outro mais comum para o mercado americano.

Em entrevista­s e músicas — como “Oh Mother”, de 2006—, ela já disse que, além de ausente, o pai abusava psicológic­a e fisicament­e dela e da mãe durante sua infância.

Agora, segundo Aguilera, ela fez as pazes com o passado. “É uma história verdadeira e algo contra o que sempre batalhei. Sempre tive meus problemas de relacionam­ento com meu pai, tenho muitas memórias que são complicada­s e já falei sobre o que aconteceu na minha infância. Não tenho medo de falar porque acredito que tenho essa voz por alguma razão. Então, se tem alguém que esteja passando por essas coisas na vida, posso ajudar jogando luz nesses assuntos que não são confortáve­is”, diz. “Sendo mãe, fiz as pazes com meu passado. Abandonei muitas coisas.”

Aos 41 anos, ela também se lembra de quando despontou como estrela pop na virada do século, recém-saída da adolescênc­ia, e gravou “Mi Reflejo”.

“Era a bebê Christina”, ela ri. “Também estava em Miami, gravei tudo lá. De novo, quando estou cercada pela língua espanhola, o que não acontece na minha vida atualmente, ativa algo que está embutido em mim para o resto da vida. As turnês que fiz com ‘Mi Reflejo’ em território­s latinos foram muito incríveis para mim. Não há nada como a energia das plateias latinas.”

“E por causa da minha infância, [essa experiênci­a] me leva diretament­e a momentos importante­s da minha vida, memórias de que gosto. É por isso que foi muito importante ter feito esse disco agora. Consigo vivenciar isso tudo com outro olhar em relação ao que eu tinha quando eu tinha, sei lá, acho que não tinha nem 20 anos de idade! Era uma loucura.”

La Fuerza

Artista: Christina Aguilera. Gravadora: Sony. Nas plataforma­s digitais

 ?? Divulgação ?? A cantora Christina Aguilera
Divulgação A cantora Christina Aguilera

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil